Entenda o que é a Deep Web e a diferença para a Dark Web
Redação/RedeTV!Deep Web surgiu graças à força militar dos Estados Unidos

(Foto: Reprodução/RedeTV!)
Você sabia que a internet da superfície equivale a menos de 1% de toda a rede? É como se fosse um iceberg. O que conhecemos está lá, na superfície, pode ser encontrado com um simples clique, mas abaixo disso existe um grande universo, que é a chamada Deep Web. A chamada internet da superfície tem cerca de 167 terabytes. Já o tamanho da Deep Web é estimado em cerca de 91 mil terabytes e lá existem endereços que não são indexados por sites de busca como o Google e o Bing. Esses sites precisam ser assim, por uma série de motivos como segurança e privacidade. "Em geral quem publica um website na internet quer que esse site seja encontrado, promovido, que a pessoa acesse, então esses sistemas de busca em geral indexam porque o website faz questão de ser encontrado. Na Deep Web a ideia é que o sistema de busca não encontre esses sites", explica Fernando Mercês, pesquisador sênior de ameaças da Trend Micro.
A Deep Web é como se fosse os bastidores da internet. Assim como a própria internet da superfície, ela surgiu graças à força militar dos Estados Unidos. Foi o laboratório de pesquisas da marinha do país que desenvolveu esse roteamento para tratar de propostas de pesquisa, design e análise de sistemas anônimos de comunicação. Lá tem dados cruciais para a manutenção da rede, que não podem ser acessados por pessoas comuns. Nesses casos, só quem possui o endereço e credenciais pode entrar. São dados acadêmicos, registros médicos, informações confidenciais de segurança nacional, registros financeiros, artigos científicos e etc. Para chegar lá, a pessoa tem que entender muito de navegação. A segunda geração desse projeto foi liberada para uso não-governamental, apelidada de Tor.
Quem entra na Deep Web não necessariamente deseja cometer crimes, apenas não quer ser rastreado, nem identificado. O wikileaks, que divulgou vários conteúdos secretos do governo americano é um exemplo disso. Foi na Deep Web que ele começou. Julian Assange, um dos mais conhecidos integrantes do conselho consultivo do Wikileaks é considerado por muitos um ciberpunk. Os ciberpunks tem a filosofia libertária radical, um tipo de anarquismo cibernético. Eles começaram lá atrás, no início dos anos 1990. Um grupo de matemáticos e hackers se reuniam sem nenhuma ideologia, mais preocupados com a privacidade e liberdade individual. Foram eles os pioneiros do caminho para os espaços livres na internet.
Alguns revolucionários que participaram da primavera árabe usaram a Deep Web para facilitar a articulação dos rebeldes e complicar o trabalho da inteligência policial. Jornalistas, militares e políticos também se comunicam pela teia misteriosa e acobertam as ações na rede. Os maiores defensores do Tor, por exemplo, são grupos pró-liberdade de expressão, já que por essa rede é possível conversar anonimamente e sem ser interceptado, dando voz a todos, passando por quem luta contra regimes ditatoriais, empregados insatisfeitos e vítimas que queiram denunciar os algozes.
Dark Web
É abaixo da Deep Web que a situação fica mais complicada. Se na Deep Web exite um lado bom, que é a privacidade para troca de conteúdo e informações sigilosas, existe lá também a chamada Dark Web. É uma pequena parcela da Deep Web, também composta por sites e redes que não são indexados pelos mecanismos de busca, e essas sim são voltadas para práticas criminosas, como venda de drogas, serviços de assassinos de aluguel, sites com vídeos reais de pessoas sendo torturadas até a morte, discursos de ódio, pornografia ilegal e até tráfico humano.
"Os textos estão lá, pessoas oferecendo estão lá, mas a prova de que isso de fato acontece é mais complicado. Porque é possível encontrar anúncios de assassinos de aluguel, já encontrei muitos usuários reclamando que foram fraudados, que tomaram calote ao tentar comprar coisas na Deep Web", afirma Fernando Mercês.
O site ganhou cada vez mais seguidores e chegou uma época em que era possível encontrar mais de 13 mil itens entre substâncias ilícitas, documentos falsos e assassinos de aluguel. A página gerou mais de um bilhão de dólares em vendas com quase 960 mil usuários, entre vendedores e compradores. Dois anos depois, o site foi derrubado pelo FBI e o criador, Ross William Ulbricht, foi condenado à prisão perpétua.
A maioria dos domínios da Dark Web são compostos por letras e números sem o menor sentido, e apenas quem possui as credenciais completas é autorizado a entrar nesses sites. É na Dark Web que se encontram os famosos fóruns de discussão de grupos radicais, inclusive criados por brasileiros, onde se organizam criminosos de todos os tipos, como foi o caso do massacre de Suzano.
Guilherme Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25, invadiram a escola Raul Brasil com um revólver e armas brancas e mataram 8 pessoas no dia 13 de março. O crime foi comemorado num desses fóruns, o Dogolachan.
"No caso do atentado de Suzano, o objetivo fica muito claro nas coisas que o atirador escrevia, o objetivo dele era escrever o nome dele na história. Então o planejamento, a construção da ideologia, foi tudo mais ou menos subterrâneo, mas a ação é extremamente visível e feita para ser propagada, para ter grande visibilidade", analisa Pablo Ortellado, filósofo e professor da USP.
"Isso que aconteceu em Suzano é um fato fechado que não tem nada a ver com jogos. Navegadores que o pessoal usa, aquela parte anônima não é anônima. De acordo com a Lei do Marco Civil, tudo é registrado na sua distribuidora de internet. Quem entrega a sua internet tem os seus dados mesmo você acessando aquela parte anônima", revela Pierre Alberto, criador do site Downs Hacker.
O texto foi publicado antes da execução em 7 de março. Os assassinos agradecem aos mentores pelos conselhos e dizem que esperam não cometer o ato em vão. E que todos serão lembrados, inclusive o site. Segundo a postagem, o sinal para a data do crime seria a música. "No máximo três dias depois estaremos diante de Deus com nossas 7 virgens”.
No dia 11 de março, dois dias antes do massacre, lá está a música, uma referência a "Pumped Up Kicks", da banda Foster The People. Escrita e gravada pelo vocalista Mark Foster, a letra descreve pensamentos homicidas de um jovem.
Natanael Antonioli faz pesquisas, analisa conteúdos da Deep Web e publica em seu canal no YouTube, o "Fábrica de Noobs". Ele conta que aumentou a curiosidade das pessoas sobre a Deep Web e isto refletiu em seu canal: "Aumentou cerca de três vezes o número de visualizações e inscritos".
"Antes [do massacre em Suzano] eu não encontrei nada, mas depois acessei o Dogolacham, que é o fórum onde supostamente os dois garotos teriam comunicado a ação e encontrei uma postagem bastante suspeita que poderia indicar uma certa relação. E isso vale para todo o período. Desde antes até depois o pessoal lá idolatra esse tipo de ação", diz Antonioli. Com a repercussão após o crime, o fórum foi desativado, mas existem outros endereços com conteúdo suspeito na Dark Web.