08/02/2018 20:49:00 - Atualizado em 09/02/2018 14:27:00

Ativista pede fim das fantasias de índio no Carnaval: "é racismo"

Bruna Brasil/RedeTV!

Foto: Reprodução/Facebook

Quem frequenta blocos de rua de Carnaval ou acompanha bailes de gala famosos vê frequentemente pessoas usando fantasia de índio para demonstrar as raízes brasileiras. Esta representação, na opinião da ativista indígena Kim Katú, está longe de ser uma homenagem e deve ser considerada racista. Em vídeos no Facebook com mais de 200 mil visualizações, a artista defende que, ao usar um traje do tipo, as pessoas ofendem as crenças culturais dos povos indígenas e ferem sua existência por conta do termo "fantasia". 

“Pessoas não são fantasias, culturas não são fantasias porque elas existem (…) A fantasia de índio deve ser extinta, deve acabar. É racismo”, opina Katú em um dos vídeos da campanha #ÍndioNãoÉFantasia que viralizou na rede social. Em entrevista exclusiva ao portal da RedeTV!, a ativista, nascida no interior São Paulo, conta que gravou os vídeos para conscientizar as pessoas que escolheram este tipo de traje no Carnaval. “Quero que reflitam que enquanto o povo indígena sofre para existir em uma sociedade que o oprimi, os cocares desfilam pelas festas, e a grande maioria das pessoas que usam não sabem nada da cultura indígena e não respeitam”, afirma. 

Kim argumenta que, além de criar a ideia de que a cultura das tribos é algo fantasioso, ao vestir roupas com referências indígenas as pessoas esquecem seus significados, como no caso dos grafismos corporais e do cocar, geralmente adaptados aos trajes temáticos. “A função do cocar varia de povo para povo, em alguns povos é adorno, mas não é um simples adorno sem significado, em outras etnias é símbolo de status de classe, onde apenas os lideres usam. É símbolo de resistência, de força... que ultrapassa o estético descartável”, explica na entrevista. 

Em resposta aos argumentos de que a fantasia de índio é uma homenagem, Kim cita como exemplo famosas que usaram o traje no Baile da Vogue, realizado na quinta-feira (1). Ela acrescenta que a discussão deve ir além do Carnaval. “A pessoa que diz que usa fantasia de índio por homenagem deve ter enganado, porque na verdade ela só está  homenageando a mercantilização/apropriação, hipersexualização e genocídio. Quando falo apropriação, digo sobre industrias que se apropriam. Ainda não vimos um indígena se sentir homenageado vendo seus símbolos sagrados sendo usados no Carnaval, Halloween e festa á fantasia”, pontua. 

“Só no Brasil existem mais de 300 etnias, eu não falo em nome de nenhum povo, falo como ativista e fundadora de um movimento indígena, estou expondo minha visão pessoal para trazer uma reflexão. Sempre existirá uma pessoa que não concorde”, diz para explicar que os vídeos que divulgou representam apenas a sua opinião. Kim é da etnia Bororo, e foi batizada com os Guarani Mbya, quando reconhecida como indígena. 

Assista ao vídeo de Katú no Facebook:

Para a artista, o vídeo sobre o Carnaval recebeu a repercussão por citar o nome da festa popular e abordar um tema de interesse geral. “Infelizmente teve mais repercussão ruim, por saber que a sociedade ama a cultura indígena mas odeia os indígenas. Mas há pessoas que entenderam minha mensagem, refletiram e me enviaram mensagens de apoio, outras agradeceram pois disseram que nunca havia pensando no indígena fora de uma fantasia, nunca haviam pensado no indígena fora do contexto dia do índio”, relata. 

“As pessoas não conhecem a cultura raiz desse país, eles ainda estão com um ‘índio folclore’ na cabeça (…) Eu até ‘entendo’ que foi um choque para os não-indígena, uma indígena expor uma opinião em rede social, porque eles ainda não entenderam que indígena é raça, ninguém havia falado isso em vídeo de forma tão curta e grossa”, avalia Katú.

DISCUSSÃO EM OUTROS LUGARES DO MUNDO

Debates sobre o uso de fantasias de índio vem ocorrendo com frequência fora do país nos últimos anos. “Isso é novidade no Brasil, lá fora não é porque eles avançaram nesse debate. Aqui ainda é polemico”, reflete Katú. 

A marca de lingeries Victoria’s Secret, por exemplo, já foi acusada de apropriação cultural e racismo por usar fantasias de temáticas indígenas no desfile anual em 2012 e 2016. Na primeira vez, ativistas dos Estados Unidos fizeram campanhas para boicote à empresa, que acabou forçada a se desculpar. 

No mundo esportivo, o time de baseball Cleveland Indians recebeu críticas durante anos por conta do símbolo “Chief Wahoo”, índio de pele vermelha e sorriso escancarado, e anunciou em janeiro que vai aposentar o ícone da identidade visual, que fez parte do time há 70 anos. 

A decisão do time fez com que o símbolo fosse retirado imediatamente dos uniformes dos atletas, mas a previsão é que o desenho seja completamente abandonado a partir da temporada de 2019. No comunicado, o time informou que não considera mais apropriado usar o ícone do “Chief Wahoo” após anos de debate sobre o tema. 

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