20/01/2017 14:51:00 - Atualizado em 24/01/2017 14:13:00

Ódio ao futebol moderno! Juventus na Rua Javari é a pura essência do futebol

André Lucena, José Ayan Júnior e Nelson Coltro/RedeTV!

(Foto: Gabriela Nolasco/Juventus)

Assistir a um jogo do Juventus na Rua Javari é uma experiência inexplicável, única, inesquecível, e todos os outros adjetivos cabíveis à algo memorável. O estádio localizado na Mooca, zona leste de São Paulo, remete ao futebol do passado, quando famílias inteiras iam torcer pelo seu time do coração. Na Javari o ingresso é barato, a arquibancada é de concreto, o alambrado é colado no gramado. Crianças de colo, jovens, adultos e idosos convivem harmonicamente no local que tem capacidade para quatro mil pessoas. 

Muitos não são juventinos, mas consideram o Moleque Travesso o segundo time do coração, como é o caso de Fernando Henrique de Campos, de 30 anos. "O Juventus é uma tradição. Minha família é corintiana, mas sempre teve aquele carinho pelo clube e aí surgiu a vontade de vir acompanhar o time. Não sou de torcida organizada e venho mais para apoiar".

Fernando costuma ir na Rua Javari com a barba pintada na cor grená, algo que geralmente não é permitido pela Polícia Militar em estádios de futebol. "Já pintei de outras cores no Natal e Ano Novo e agora por conta do Juventus decidi pintar de grená. Virou sucesso e todo mundo sempre pede para tirar foto. É muito legal! Virei um símbolo da Javari!", conta ele.

Amauri José Marson, de 62 anos, foi à Rua Javari pela primeira vez na vitória do Juventus por 1 a 0 contra o Bragantino pelas quartas de final da Copa São Paulo de Futebol Júnior 2017. Ele aprovou a atmosfera do estádio mesmo com a tempestade que caiu na capital paulista durante a partida.

Amauri José Marson foi à Rua Javari pela primeira vez (Foto: Reprodução/RedeTV!)

"Meu filho que gosta do Juventus e me convidou para vir aqui pela primeira vez. Ele nem torce só para o Juventus, mas gosta muito de vir aqui acompanhar. É um ambiente familiar e a Mooca é a Mooca né!? Sou descendente de italiano, então tem a ver. Apesar da chuva, o ambiente é muito gostoso", exalta o idoso que estava sem capa de chuva e completamente molhado na arquibancada de concreto da Rua Javari.

Já Sérgio Machado Filho, de 76 anos, assumiu ser torcedor da Portuguesa apesar da rivalidade com o Juventus no chamado 'Clássico dos Imigrantes': "Eu moro aqui na Mooca mesmo, mas frequento pouco apesar de adorar o ambiente que é muito familiar. Vemos crianças com os pais e é muito bonito, muito tranquilo. Torço para a Portuguesa e frequento aqui porque moro na Mooca. Meus filhos frequentam mais. A maioria aqui é tudo palmeirense, não tem juventino. Juventus é o segundo time".

Kauê Pereira Rafael joga no Sub-11 do Juventus e assiste os 'marmanjos' na Rua Javari
(Foto: Reprodução/RedeTV!)

A nova geração do Moleque Travesso também é apaixonada pelo clube. Tanto é que Kauê Pereira Rafael, que joga no Sub-11 do Juventus, afirma que sonha em ser jogador profissional e que não troca a equipe por nada. "Cheguei e gostei daqui. Os caras do Palmeiras me chamaram, mas falei: 'Não, vou ficar aqui no Juventus'".

Zagueiro Gustavo se destacou na Copinha e agora integra a equipe principal do Moleque Travesso (Foto: Ale Vianna/Juventus)

Cristiane Alcino, mãe do zagueiro Gustavo, um dos destaques do Juventus na Copa São Paulo de Futebol Júnior 2017, exalta o quanto o ambiente familiar do clube ajudou na formação do jogador de 19 anos como ser humano. "Ele está aqui desde os 13 anos e veio fazer um teste com 40 meninos. Na época só passou ele e mais um. O Gustavo mora comigo em São Mateus (bairro da zona leste de São Paulo) e mudou muito desde quando foi para o Juventus. Hoje ele é muito disciplinado, educado e tudo isso devo ao Juventus. Todos os envolvidos, desde as meninas da limpeza até a diretoria, contribuíram para o que ele é hoje", exalta a mãe do defensor apelidado de Gustavo 'Mina' pelo jornalista Luiz Ceará.

Mãe do zagueiro Gustavo exalta o ambiente familiar do Juventus
(Foto: Reprodução/RedeTV!)

"Ódio eterno ao futebol moderno"

Se o futebol tem um local para reunir seus torcedores mais alternativos, esse lugar sem dúvidas é a Rua Javari. Placar eletrônico passa longe, celulares ficam dentro no bolso, arquibancadas de cimento são maioria e seus torcedores levam a frase "Ódio eterno ao futebol moderno" como um mantra. 

"Futebol moderno é isso que vemos hoje nos times grandes. Modernidade, arquibancada com luxo do Allianz Parque e Arena Corinthians. Não precisamos disso. Queremos isso aqui que a gente vê. Todo mundo pegando chuva. Isso é contra o futebol moderno. Aqui na Javari é R$ 20 a entrada… É disso que a gente precisa", afirma Sérgio Roberto Mangiullo, presidente da mais tradicional torcida organizada do Juventus: a Ju-Jovem.

Apesar de ser a mais famosa organizada do time, a Ju-Jovem não é a mais radical. Longe disso. A Setor 2, que tem esse nome por se posicionar no setor 2 do estádio Conde Rodolfo Crespi, leva ainda mais a sério o mantra "ódio eterno ao futebol moderno". 


Jogadores comemoram gol contra o Bragantino (Foto: Ale Vianna/Juventus)

Lá, os membros não permitem a presença de câmeras e dificilmente dão entrevistas. Em visita à Rua Javari, a reportagem do portal da RedeTV! fazia imagens da festa dos torcedores na entrada em campo da equipe do Juventus quando foi abordada por dois integrantes da Setor 2 que pediram para que imagens não fossem registradas. Eles alegaram não permitir a presença de veículos oficiais da imprensa.

"Não gostamos de futebol moderno. A Setor 2 eram todos amigos do meu pai. Eles que levaram esse negócio de contra o futebol moderno. A Ju-Jovem também é contra o futebol moderno. As duas torcidas andam sempre juntas. Sem briga, nem nada. São torcidas do Juventus", esclarece Sérgio.

(Foto: Gabriela Nolasco/Juventus)

Palmeirense na infância, foi pelo seu pai, Sérgio Mangiullo, fundador da Ju-Jovem, que Sérgio se tornou um juventino. Segundo ele, o objetivo é continuar fazendo a história iniciada pelo pai, vítima de um AVC fatal há quatro anos. Os integrantes até adicionaram o trecho "Até no céu iremos te apoiar" em homenagem ao criador da organizada.

"Ele já me trazia desde pequenininho. Com três, quatro anos já acompanhava ele. Tinha até um queda pelo Palmeiras, que a minha família é palmeirense, mas a paixão foi dominando e virei juventino. Meu pai vivia isso aqui, inclusive tem uma placa com o nome dele atrás de um dos gols. Trazia a torcida dentro de uma Kombi. Uns 15, 20 'nego'. Estamos continuando a história. Infelizmente meu pai não está mais entre nós e a torcida já estava acabando. Nos reunimos e decidimos não deixar acabar. Vamos continuar. A frase que tem em todas as músicas 'Até no céu iremos te apoiar' é uma homenagem ao meu pai, que foi o maior juventino", afirma.

Em entrevista exclusiva ao portal da RedeTV!, Domingos Sanches, presidente do Juventus, ressalta a importância das arquibancadas para o time. "A torcida é a nossa camisa 12. Eles têm nos dado um incentivo muito grande e isso nos dá muito mais força", exalta.

(Foto: Gabriela Nolasco/Juventus)

Pressão e projeto de tombamento do Estádio Conde Rodolfo Crespi

Construído em 26 de abril de 1925, o estádio Conde Rodolfo Crespi leva o nome do dono de uma das maiores fábricas de São Paulo no início do século XX. Após quase 92 anos de história, o local ainda carrega ares nostálgicos de um futebol de décadas passadas onde Pelé afirma ter marcado o gol mais bonito de toda sua carreira.

O estilo acanhado do estádio com os torcedores muito próximos aos jogadores é sinônimo de pressão para os adversários como atestam os próprios atletas juventinos da Copa São Paulo e a torcida do Moleque Travesso.

(Foto: Gabriela Nolasco/Juventus)

"Na Javari é complicado jogar. Mesmo que a torcida seja a favor, é complicado porque da mesma forma que eles torcem por você, também têm o direito de cobrar. Por um lado é bom, que eles incentivam muito, ficam muito próximos e dão força para a gente. Tem hora que você não tem mais força no finalzinho do jogo, olha para arquibancada e todo mundo está gritando seu nome", destaca o zagueiro Gustavo, de 19 anos.

"A torcida bem perto do gramado é uma pressão muito grande para o adversário. Já fui a vários estádios como Mineirão, Maracanã, que são bem mais modernos. Mas aqui é vibração pura. Realmente é bem diferente", concorda o torcedor Mário Ishihara, de 50 anos.

Ele é cadeirante e assiste aos jogos colado no alambrado da Rua Javari: "A acessibilidade dos estádios antes da Copa realmente era lamentável, mas todos as arenas modernas já têm uma estrutura para cadeirante ou para quem tem uma dificuldade de movimentação. Aqui a diferença é que o pessoal ajuda. O pessoal é bem solidário, acolhedor".

Mário Ishihara assiste aos jogos colado no alambrado da Rua Javari (Foto: Reprodução/RedeTV!)

Orgulho para os moradores da Mooca, uma modernização da casa do Juventus situada na rua Javari é motivo de discordância entre alguns frequentadores. Em 2005, o vereador Juscelino Gadelha, do PSDB, apresentou um projeto de tombamento do estádio Conde Rodolfo Crespi para o Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo. No entanto, a proposta nunca saiu do papel.

"Acho que a Rua Javari devia ser um patrimônio tombado. Não poder mexer. Deixar isso aqui do jeito que está porque é um dos poucos lugares que temos assim com ambiente familiar, sem briga. Sou contra modernizar", opina o presidente da Ju-Jovem.

"Tombado eu acho que poderia ser sim. Agora sobre construir uma nova arena, poderia ter algum tipo de reforma, uma arquibancada um pouco maior. Reformar e modernizar algumas parte sim, mas demolir jamais. Seria acabar com a tradição do futebol", concorda em partes o comerciante Fernando Henrique de Campos, de 30 anos.

Como se não bastasse tanta tradição, a Rua Javari é o lugar perfeito para degustar o tradicional cannoli. Unanimidade entre frequentadores do estádio, seu Antônio e sua esposa são os responsáveis por vender o doce de origem italiana no local desde 1972.

(Fotos: Gabriela Nolasco/Juventus)

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