09/02/2019 20:31:00 - Atualizado em 11/02/2019 17:18:00

Conheça histórias de jogadores que enfrentaram duras condições pelo sonho de se destacar no futebol

Stéfanie Rigamonti/RedeTV!


Ninho do Urubu, CT do Flamengo (Foto: Reprodução/Agência Brasil)

O incêndio no Ninho do Urubu, Centro de Treinamento do Flamengo, que aconteceu na última sexta-feira (8), e que resultou na morte de 10 meninos, coloca em evidência as condições de alojamentos que abrigam jogadores das categorias de base. Isso em times grandes, porque quanto mais se afasta dos centros urbanos é possível perceber que até mesmo atletas do profissional enfrentam duras realidades no Brasil. 

É o caso de Heitor Marques, de 24 anos, que, após tanto batalhar, hoje joga na Califórnia, Estados Unidos, por meio de uma bolsa de estudos. Em entrevista ao portal RedeTV!, o jovem paulistano compartilhou as situações mais desoladoras que vivenciou no futebol, quando treinava em times menores, do interior do Brasil.

"Cansei de ver ratos indo e vindo"

(Foto: Reprodução/Instagram)

Uma delas foi em um time de Camboriú, em Santa Catarina. "Morei dentro de uma casa com três quartos pequenos, e apenas um banheiro, que era dividida entre 25 jogadores. Cansei de ver ratos dentro da cozinha de lá indo e vindo, principalmente à noite", conta. Segundo Heitor, o local era extremamente sujo.

Outra experiência marcante por que passou foi quando vestiu a camisa do Real Caeté, clube de Minas Gerais. No time, Heitor conta que já ficou alojado em um galpão por um mês. "Lá, tomávamos banho em um banheiro público que, às vezes, eu entrava no box e parecia uma piscina por causa do ralo entupido", lembra. 

"Infelizmente, a gente acaba passando por isso quando é novo porque tem um sonho e a esperança, a expectativa, de tudo isso mudar, de alguém ver, de tudo isso ser transformado. Mas muitas vezes isso não acontece", desabafa. "Sobre essa tragédia que aconteceu no Flamengo, a gente já sabe que tem um pouco, ou muita, falta de responsabilidade das pessoas que comandavam tudo isso", conclui.

"Cheguei perto de não ter o que comer"

(Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

O ex-atleta João Batista de Souza, hoje com 30 anos, começou a viajar para os times com 15. Ele lembra que deu tudo de si pelo sonho de ser um grande jogador, mas infelizmente aproveitaram-se de seu sonho para lucrar. "Já estive em locais que ficaram sem energia por alguns dias, tomando banho gelado no inverno. Sem contar o descaso de alimentação totalmente inferior ao que deveria ser para um atleta".

João conta que chegou perto de passar fome. "Às vezes a cozinheira não fazia almoço de domingo porque o clube estava mal. E a comida era restrita, tudo muito contado. Para atletas de alto nível era muito baixa a quantidade", explica. "Enquanto a laranja dá o suco, é aproveitada. E quando o clube vai mal, os atletas são totalmente descartáveis", desabafa.

Além da restrição alimentar, as péssimas condições de higiene fizeram com que, certa vez, João enfrentasse, inclusive, problema com escorpião no alojamento. "Foram várias situações de péssima qualidade. Não tínhamos segurança nenhuma, nenhum controle de quem poderia entrar na casa. E se fizessem maldade com a gente?", questiona indignado.

Outra questão bem comum, e que foi exposta pelo ex-atleta, é a dos empresários. Segundo João, tem muita gente querendo ganhar dinheiro em cima dos meninos. "Em vez de empresariarem, vendem sonhos. Já vi isso acontecer de perto muitas vezes".

O ex-atleta finalizou a entrevista opinando sobre o incêndio no Ninho do Urubu. "Eu gostaria muito de acreditar que foi só um acidente, né? Mas infelizmente, no meio do futebol, a gente passou, entendeu e sabe que muitas vezes, de fato, é negligência".

"Estava -2ºC e o roupeiro levou o uniforme úmido para a gente jogar"

(Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Eric Gomes da Silva, de 30 anos, atualmente joga em um time da França. Ele também já vestiu a camisa de clubes da Grécia e da Albânia. Mas antes de colher os louros da Europa, enfrentou cenários desumanos, que preferiu nem contar para os seus pais, já que eles o impediriam de viajar pelos clubes se soubessem.

Assim como os outros dois entrevistados para esta reportagem, Eric também ficou alojado em locais sujos, empoeirados, por onde passaram escorpiões e outros tipos de bichos. Como aconteceu quando jogou por um time de Rondônia. O atleta conta que, certa vez, o presidente do clube enviou os meninos para um hotel. Mas, por falta de pagamento, os jogadores acabaram despejados. "Ficamos com as malas parados na porta. Foi até a imprensa lá naquele dia", lembra.

"Depois nos enviaram para um sítio, que não era adaptado. Era um galpão. Teve caso de jogador acordar no meio da madrugada assustado com um lagarto em cima dele. Porque era no meio do mato e não era adaptado para ser uma casa", conta.

Mas uma de suas piores experiências aconteceu no Paraná. "Teve um dia que viajamos 7 horas entre uma cidade e outra do estado com um ônibus circular antigo. A gente não sabia se batia mais vento fora ou dentro do veículo. Até que chegamos no local onde íamos disputar um torneio e nos surpreendemos: -2ºC e o roupeiro levou o uniforme úmido para a gente jogar".

Eric começou a viajar pelo futebol quando tinha 17 anos. Logo se tornou atleta do profissional, mas foi justamente quando isso aconteceu que sofreu as piores condições. "Em um time, uma vez, deixaram cortar a energia e a água de onde estávamos alojados. Treinamos de manhã, não teve água. Almoçamos. Aí teve o treino da tarde, e também não teve água. Como choveu muito, usamos uma corrente de água que vinha do telhado, fora da casa, para tomar banho. Lembro como se fosse hoje".

Segundo Eric, o diretor do clube presenciou tudo isso, mas nada fez. "Ele levava muito jogador lá para se profissionalizar, ganhava muito dinheiro com a profissionalização deles, mas não queria saber do bem-estar dos atletas. Não queria saber do lado do ser humano, só queria saber do dinheiro mesmo", declara.

A falta de comida também foi sentida pelo jogador quando morava no Paraná. "Teve vezes do diretor esquecer de ficar atento com a parte de alimentação, e a gente treinar de manhã sem café da manhã e na parte da tarde só ter arroz e feijão.Teve dia também de não ter nem o arroz e o feijão", revela.

Com essa situação era de se esperar que mal pagavam os jogadores. Para Eric, a questão do salário é mais uma das tantas que deveriam ser fiscalizadas. "Já conheci muitas pessoas corretas, mas, infelizmente, o mundo do futebol é imundo. Posso falar com propriedade que uns 80% dos profissionais do futebol não trabalham corretamente", abre.

Mas apesar de todos esses problemas, o atleta conta que, até mesmo pela falta de maturidade dos meninos que entram para o esporte, a maioria não desiste de um dia crescer como jogador. "Futebol mexe com o sonho de todo mundo e muita gente não percebe a hora de parar", finalizou.

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