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Louva-a-deus pode devorar um lagarto? Biólogo explica vídeo que viralizou

Vídeo registrou ataque feroz do inseto, mas é assim mesmo?

(Foto: Reprodução)

Um vídeo que mostra um louva-a-deus devorando um lagarto muito maior do que ele assustou e intrigou muita gente no Twitter, mas acabou mostrando uma faceta manipulada desses artrópodes, que não usam a violência tão gratuitamente assim na vida em natureza. O assunto chegou aos Trending Topics da rede social na noite de quarta-feira (14) e continuava entre os mais comentados nesta quinta-feira (15).

Quem explica isso é o biólogo César Favacho, formado pela Universidade Federal do Pará, especialista em louva-a-deus, integrante do Grupo de Estudos de Artrópodes da Amazônia (GEAA) e com mestrado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, que conversou com o portal da RedeTV! para explicar o vídeo, que viralizou na rede social.

Nas imagens, o inseto aparece mordendo o corpo do réptil que, apesar das investidas e de se debater, não foge do louva-a-deus. Segundo Favacho, esse comportamento estranho tem explicação: o animal estava sendo imobilizado para que não escapasse e ficasse à mercê dos ataques do artrópode. 

Sério, o pessoal ficou chocado...

Porém...

"O lagarto, na verdade, está sendo segurado por alguém. Dá para ver claramente, uma espécie de luva ou uma estrutura segurando pela parte posterior, perto das pernas do lagarto", esclarece Favacho. "Dessa maneira, ele não consegue fugir e o louva-a-deus, meio que tendo aquela oportunidade, ataca. Porém, na natureza isso não ocorre do jeito que o vídeo mostra. Na verdade, o lagarto está se debatendo porque tem alguém segurando ele", acrescenta. 

Ou seja, o "sadismo" estava na experiência em si - filmada para um documentário (cujo trecho pode ser assistido mais abaixo) e não no louva-a-deus. Além disso, vale ressaltar: eles não são venenosos nem perigosos.

Mas, afinal, pode um louva-a-deus comer um lagarto?

Conforme o biólogo, a espécie que aparece no vídeo tem o hábito de se camuflar entre as folhas de árvores e, no meio ambiente, não estaria naturalmente perto do réptil - o que mostra mais sobre como um trecho fora de contexto pode desinformar. "Se ele visse um lagarto desse tamanho se aproximando, provavelmente ele iria fugir ou ficar parado até ele passar direito. Eles não tentam atacar assim, de graça", observa. 

O especialista ainda cita outro exemplo que prova isso: em um trecho dá para notar que o inseto meio que tomba para o lado. Isso tem explicação: o lagarto, se não estivesse imobilizado, conseguiria facilmente afugentar o louva-a-deus. 

Mais um ponto que mostra como essa cena não é muito provável na vida selvagem é a (não) disposição desse simpático inseto para um ataque desses. "Na natureza (ou até mesmo em cativeiro), o louva-a-deus provavelmente iria desistir de tentar atacar porque eles normalmente não gostam de gastar energia com presas que vão dar muito trabalho", pontua Favacho, acrescentando que este é um comportamento muito frequente entre outros animais, que analisam se a investida realmente vale a pena.

Embora prefira poupar esforços, o louva-a-deus pode, sim, chegar a comer lagartos, mas desde que não seja maior do que ele - como é mostrado no vídeo. "Eles são predadores muito eficientes, que possuem muita força nas pernas e realmente conseguem abater presas grandes, mas normalmente se alimentam de insetos bem menores", conta o pesquisador. "Na natureza, a média de tamanho do alimento dele é um bicho que é um pouquinho mais comprido do que um dos segmentos dessas pernas da frente dele, então acaba que não é com tanta frequência que se alimentam de bichos grandes".

Comedores de beija-flor

Para além dos répteis, o louva-a-deus também pode se alimentar de aves, mais especificamente o beija-flor. De acordo com Favacho, há cerca de 140 registros desses pássaros devorados pelo inseto. 

"Em grande parte dos registros, o louva-a-deus estava em cima de um daqueles alimentadores de pássaros ou de flores e aproveitou a oportunidade para tentar o bote nas aves cuja semelhança com algumas mariposas é grande. No caso do beija-flor, ele é um bicho relativamente pequenos enquanto que o louva-a-deus era maior do que ele, na maioria das vezes", explica. "Mas não é algo que ocorre com tanta frequência na natureza, apesar de eu achar mais provável um louva-a-deus grande pegar um beija-flor pequeno do que um lagarto maior que ele", opina. 

Alçado ao posto de vilão por conta do vídeo que viralizou, o louva-a-deus chega a ser criado como bicho de estimação em países, na Europa e nos Estados Unidos. "Em alguns casos, isso é bom porque pode ajudar a preservar algumas espécies que estão ameaçadas", explicou. "Eles são reproduzidos e as pessoas têm toda uma ética até interessante. Eles são bichos muito amados, apesar de parecerem ruins por causa desses vídeos que viralizam", acrescentou.

Acasalamento violento?

A fama de violento não vem de hoje. Algumas matérias na internet também tratam como fato que as fêmeas sempre devoram o macho após o acasalamento. Assim como o vídeo do lagarto, não é bem assim, já que só ocorre em contextos específicos. 

"A fêmea realmente pode comer o macho - e algumas fazem isso. Porém, esse comportamento não é tão comum na natureza quanto se pensa. E menos ainda nas regiões tropicais", esclarece o biólogo.

O especialista explica, então, de onde vem isso: "Esses primeiros registros são feitos mais nas regiões temperadas, onde o louva-a-deus acasala pouco antes do inverno chegar. Nesse período, a quantidade de alimento já está escassa e o macho meio que se doa para a fêmea se alimentar dele e poder depositar os ovos nutridos e sobreviver durante o inverno. Então, elas realmente comem os machos em alguns casos".

Pesquisador e criador desses animais há anos, Favacho diz que nunca viu esse comportamento. "Eu já criei e reproduzi muitos louva-a-deus e nunca nenhuma fêmea comeu o macho. Então, acredita-se que aqui, na região tropical, isso não ocorra tanto porque a disponibilidade de alimento é maior durante o ano todo e os machos podem acasalar com mais de uma fêmea", contextualiza. "Na verdade, o louva-a-deus não é violento e, na minha concepção, nenhum animal pode ser considerado, já que, na verdade, a intenção deles é sobreviver e cumprir o seu papel na natureza".

Para o pesquisador, ele são "interessantes, importantes e pouquíssimo estudados no Brasil" e ainda há muito o que descobrir sobre essa espécie, mas não necessariamente por meio de um vídeo compartilhado na internet. "Vou fazer doutorado com eles e ainda tem muita coisa para se descobrir sobre eles, como espécies que a gente não conhece e outras já coletadas para serem trabalhadas".

Veja o vídeo original - no trecho a partir de 29"

Conheça algumas espécies brasileiras:

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