RedeTVi - Esportes | Fut. Brasileiro

Ódio ao futebol moderno! Juventus na Rua Javari é a pura essência do futebol

(Foto: Gabriela Nolasco/Juventus)

Assistir a um jogo do Juventus na Rua Javari é uma experiência inexplicável, única, inesquecível, e todos os outros adjetivos cabíveis à algo memorável. O estádio localizado na Mooca, zona leste de São Paulo, remete ao futebol do passado, quando famílias inteiras iam torcer pelo seu time do coração. Na Javari o ingresso é barato, a arquibancada é de concreto, o alambrado é colado no gramado. Crianças de colo, jovens, adultos e idosos convivem harmonicamente no local que tem capacidade para quatro mil pessoas. 

Muitos não são juventinos, mas consideram o Moleque Travesso o segundo time do coração, como é o caso de Fernando Henrique de Campos, de 30 anos. "O Juventus é uma tradição. Minha família é corintiana, mas sempre teve aquele carinho pelo clube e aí surgiu a vontade de vir acompanhar o time. Não sou de torcida organizada e venho mais para apoiar".

Fernando costuma ir na Rua Javari com a barba pintada na cor grená, algo que geralmente não é permitido pela Polícia Militar em estádios de futebol. "Já pintei de outras cores no Natal e Ano Novo e agora por conta do Juventus decidi pintar de grená. Virou sucesso e todo mundo sempre pede para tirar foto. É muito legal! Virei um símbolo da Javari!", conta ele.

Amauri José Marson, de 62 anos, foi à Rua Javari pela primeira vez na vitória do Juventus por 1 a 0 contra o Bragantino pelas quartas de final da Copa São Paulo de Futebol Júnior 2017. Ele aprovou a atmosfera do estádio mesmo com a tempestade que caiu na capital paulista durante a partida.

Amauri José Marson foi à Rua Javari pela primeira vez (Foto: Reprodução/RedeTV!)

"Meu filho que gosta do Juventus e me convidou para vir aqui pela primeira vez. Ele nem torce só para o Juventus, mas gosta muito de vir aqui acompanhar. É um ambiente familiar e a Mooca é a Mooca né!? Sou descendente de italiano, então tem a ver. Apesar da chuva, o ambiente é muito gostoso", exalta o idoso que estava sem capa de chuva e completamente molhado na arquibancada de concreto da Rua Javari.

Já Sérgio Machado Filho, de 76 anos, assumiu ser torcedor da Portuguesa apesar da rivalidade com o Juventus no chamado 'Clássico dos Imigrantes': "Eu moro aqui na Mooca mesmo, mas frequento pouco apesar de adorar o ambiente que é muito familiar. Vemos crianças com os pais e é muito bonito, muito tranquilo. Torço para a Portuguesa e frequento aqui porque moro na Mooca. Meus filhos frequentam mais. A maioria aqui é tudo palmeirense, não tem juventino. Juventus é o segundo time".

Kauê Pereira Rafael joga no Sub-11 do Juventus e assiste os 'marmanjos' na Rua Javari
(Foto: Reprodução/RedeTV!)

A nova geração do Moleque Travesso também é apaixonada pelo clube. Tanto é que Kauê Pereira Rafael, que joga no Sub-11 do Juventus, afirma que sonha em ser jogador profissional e que não troca a equipe por nada. "Cheguei e gostei daqui. Os caras do Palmeiras me chamaram, mas falei: 'Não, vou ficar aqui no Juventus'".

Zagueiro Gustavo se destacou na Copinha e agora integra a equipe principal do Moleque Travesso (Foto: Ale Vianna/Juventus)

Cristiane Alcino, mãe do zagueiro Gustavo, um dos destaques do Juventus na Copa São Paulo de Futebol Júnior 2017, exalta o quanto o ambiente familiar do clube ajudou na formação do jogador de 19 anos como ser humano. "Ele está aqui desde os 13 anos e veio fazer um teste com 40 meninos. Na época só passou ele e mais um. O Gustavo mora comigo em São Mateus (bairro da zona leste de São Paulo) e mudou muito desde quando foi para o Juventus. Hoje ele é muito disciplinado, educado e tudo isso devo ao Juventus. Todos os envolvidos, desde as meninas da limpeza até a diretoria, contribuíram para o que ele é hoje", exalta a mãe do defensor apelidado de Gustavo 'Mina' pelo jornalista Luiz Ceará.

Mãe do zagueiro Gustavo exalta o ambiente familiar do Juventus
(Foto: Reprodução/RedeTV!)

"Ódio eterno ao futebol moderno"

Se o futebol tem um local para reunir seus torcedores mais alternativos, esse lugar sem dúvidas é a Rua Javari. Placar eletrônico passa longe, celulares ficam dentro no bolso, arquibancadas de cimento são maioria e seus torcedores levam a frase "Ódio eterno ao futebol moderno" como um mantra. 

"Futebol moderno é isso que vemos hoje nos times grandes. Modernidade, arquibancada com luxo do Allianz Parque e Arena Corinthians. Não precisamos disso. Queremos isso aqui que a gente vê. Todo mundo pegando chuva. Isso é contra o futebol moderno. Aqui na Javari é R$ 20 a entrada… É disso que a gente precisa", afirma Sérgio Roberto Mangiullo, presidente da mais tradicional torcida organizada do Juventus: a Ju-Jovem.

Apesar de ser a mais famosa organizada do time, a Ju-Jovem não é a mais radical. Longe disso. A Setor 2, que tem esse nome por se posicionar no setor 2 do estádio Conde Rodolfo Crespi, leva ainda mais a sério o mantra "ódio eterno ao futebol moderno". 


Jogadores comemoram gol contra o Bragantino (Foto: Ale Vianna/Juventus)

Lá, os membros não permitem a presença de câmeras e dificilmente dão entrevistas. Em visita à Rua Javari, a reportagem do portal da RedeTV! fazia imagens da festa dos torcedores na entrada em campo da equipe do Juventus quando foi abordada por dois integrantes da Setor 2 que pediram para que imagens não fossem registradas. Eles alegaram não permitir a presença de veículos oficiais da imprensa.

"Não gostamos de futebol moderno. A Setor 2 eram todos amigos do meu pai. Eles que levaram esse negócio de contra o futebol moderno. A Ju-Jovem também é contra o futebol moderno. As duas torcidas andam sempre juntas. Sem briga, nem nada. São torcidas do Juventus", esclarece Sérgio.

(Foto: Gabriela Nolasco/Juventus)

Palmeirense na infância, foi pelo seu pai, Sérgio Mangiullo, fundador da Ju-Jovem, que Sérgio se tornou um juventino. Segundo ele, o objetivo é continuar fazendo a história iniciada pelo pai, vítima de um AVC fatal há quatro anos. Os integrantes até adicionaram o trecho "Até no céu iremos te apoiar" em homenagem ao criador da organizada.

[leiamais]

"Ele já me trazia desde pequenininho. Com três, quatro anos já acompanhava ele. Tinha até um queda pelo Palmeiras, que a minha família é palmeirense, mas a paixão foi dominando e virei juventino. Meu pai vivia isso aqui, inclusive tem uma placa com o nome dele atrás de um dos gols. Trazia a torcida dentro de uma Kombi. Uns 15, 20 'nego'. Estamos continuando a história. Infelizmente meu pai não está mais entre nós e a torcida já estava acabando. Nos reunimos e decidimos não deixar acabar. Vamos continuar. A frase que tem em todas as músicas 'Até no céu iremos te apoiar' é uma homenagem ao meu pai, que foi o maior juventino", afirma.

Em entrevista exclusiva ao portal da RedeTV!, Domingos Sanches, presidente do Juventus, ressalta a importância das arquibancadas para o time. "A torcida é a nossa camisa 12. Eles têm nos dado um incentivo muito grande e isso nos dá muito mais força", exalta.

(Foto: Gabriela Nolasco/Juventus)

Pressão e projeto de tombamento do Estádio Conde Rodolfo Crespi

Construído em 26 de abril de 1925, o estádio Conde Rodolfo Crespi leva o nome do dono de uma das maiores fábricas de São Paulo no início do século XX. Após quase 92 anos de história, o local ainda carrega ares nostálgicos de um futebol de décadas passadas onde Pelé afirma ter marcado o gol mais bonito de toda sua carreira.

O estilo acanhado do estádio com os torcedores muito próximos aos jogadores é sinônimo de pressão para os adversários como atestam os próprios atletas juventinos da Copa São Paulo e a torcida do Moleque Travesso.

(Foto: Gabriela Nolasco/Juventus)

"Na Javari é complicado jogar. Mesmo que a torcida seja a favor, é complicado porque da mesma forma que eles torcem por você, também têm o direito de cobrar. Por um lado é bom, que eles incentivam muito, ficam muito próximos e dão força para a gente. Tem hora que você não tem mais força no finalzinho do jogo, olha para arquibancada e todo mundo está gritando seu nome", destaca o zagueiro Gustavo, de 19 anos.

"A torcida bem perto do gramado é uma pressão muito grande para o adversário. Já fui a vários estádios como Mineirão, Maracanã, que são bem mais modernos. Mas aqui é vibração pura. Realmente é bem diferente", concorda o torcedor Mário Ishihara, de 50 anos.

Ele é cadeirante e assiste aos jogos colado no alambrado da Rua Javari: "A acessibilidade dos estádios antes da Copa realmente era lamentável, mas todos as arenas modernas já têm uma estrutura para cadeirante ou para quem tem uma dificuldade de movimentação. Aqui a diferença é que o pessoal ajuda. O pessoal é bem solidário, acolhedor".

Mário Ishihara assiste aos jogos colado no alambrado da Rua Javari (Foto: Reprodução/RedeTV!)

Orgulho para os moradores da Mooca, uma modernização da casa do Juventus situada na rua Javari é motivo de discordância entre alguns frequentadores. Em 2005, o vereador Juscelino Gadelha, do PSDB, apresentou um projeto de tombamento do estádio Conde Rodolfo Crespi para o Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo. No entanto, a proposta nunca saiu do papel.

"Acho que a Rua Javari devia ser um patrimônio tombado. Não poder mexer. Deixar isso aqui do jeito que está porque é um dos poucos lugares que temos assim com ambiente familiar, sem briga. Sou contra modernizar", opina o presidente da Ju-Jovem.

"Tombado eu acho que poderia ser sim. Agora sobre construir uma nova arena, poderia ter algum tipo de reforma, uma arquibancada um pouco maior. Reformar e modernizar algumas parte sim, mas demolir jamais. Seria acabar com a tradição do futebol", concorda em partes o comerciante Fernando Henrique de Campos, de 30 anos.

Como se não bastasse tanta tradição, a Rua Javari é o lugar perfeito para degustar o tradicional cannoli. Unanimidade entre frequentadores do estádio, seu Antônio e sua esposa são os responsáveis por vender o doce de origem italiana no local desde 1972.

(Fotos: Gabriela Nolasco/Juventus)