30/09/2016 14:47:00

Eleição deste ano mostra que estrutura é cada vez mais crucial no sucesso de candidatos

2016-09-30 17:41:16 GMT+00:00 - Reuters

Por Maria Carolina Marcello

BRASÍLIA (Reuters) - Campanhas mais curtas e modestas, diante das novas regras eleitorais, e apatia do eleitorado, cansado do caos político, abriram espaço nas eleições deste ano para figuras que se apresentaram como novidade ou com uma roupagem "antipolítica". Mas essas candidaturas só funcionaram quando amparadas por uma boa estrutura.

A proibição da doação empresarial e a redução pela metade do tempo de campanha criaram, segundo especialistas consultados pela Reuters, uma situação em que mesmo os candidatos menos identificados com a política tradicional precisam da estrutura de um grande partido ou de uma agremiação religiosa, além de um relativo bom volume de recursos.

"Ninguém tem tempo de se tornar conhecido com esse período de campanha, é muito difícil", avaliou o cientista político e diretor do Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais (Inpro), Benedito Tadeu César.

Além disso, explica, a proibição de cartazes, santinhos e cavaletes --opções relativamente baratas de propaganda-- traz mais uma dificuldade para a campanha, impedindo que um novato consiga tornar-se conhecido no eleitorado.

São Paulo é um bom exemplo de como um nome desconhecido em termos políticos pode ter sucesso com as regras atuais, desde que conte com uma boa estrutura. João Dória (PSDB), apesar de ser apoiado por um político tradicional, o governador tucano Geraldo Alckmin, tem insistido, em inserções e programa de TV, na frase "não sou político, sou empresário".

Na avaliação de Carlos Bellini, analista sênior da Arko Advice, Dória representa uma contradição, e é justamente essa característica que pode ajudá-lo a vencer a disputa pela maior capital do país.

"Ele (Dória) busca se conectar com esse sentimento antipolítica que existe hoje", disse Bellini. "Isso é um paradoxo interessante, porque ao mesmo tempo em que o Dória se apresenta como antipolítico, ele é um candidato filiado ao PSDB, tem apoio do Alckmin, em uma base de política tradicional", explicou o analista.

CHANCE PEQUENA

Para Bellini, é "muito difícil" surgir um candidato competitivo que seja totalmente dissociado da política tradicional no atual cenário.

"Eu diria que existe um espaço para o surgimento de nomes como Dória, através de partidos tradicionais com um discurso que se conecte com a defesa de uma gestão eficiente da administração pública", acrescentou.

A candidata à prefeitura do Rio de Janeiro Carmen Migueles, do NOVO, partido que leva no nome sua pouca idade --teve seu registro definitivo aceito pelo TSE em 2015-- colocou-se na disputa como bandeiras como "maior autonomia e liberdade do indivíduo", "redução das áreas de atuação do Estado" e a "diminuição da carga tributária", além de "melhoria na qualidade dos serviços essenciais".

Sem a estrutura de um grande partido, porém, nem tempo de propaganda na TV e no rádio, não chega à marca de 1 por cento das intenções de voto, apesar de fugir da política tradicional.

E sobre o tempo no rádio e na TV não resolve apenas ser de um partido forte, é preciso grandes coligações. Para os candidatos dos pequenos partidos, o tempo que era curto em outras eleições, praticamente desapareceu agora.

Porto Alegre é um bom exemplo dessa situação. A ex-deputada Luciana Genro (PSOL) iniciou a campanha na liderança, mas agora está em quarto lugar. O líder da disputa, Sebastião Melo (PMDB) tem quase 4 minutos na TV. A candidata do PSOL, 13 segundos.

Mas uma boa estrutura não está restrita aos grandes partidos. Para Tadeu César, as regras atuais permitem um crescimento de candidatos ligados a igrejas, principalmente as evangélicas, justamente pela logística e alcance que podem fornecer.

"Deve ocorrer um aumento da representação principalmente das bancadas evangélicas, que são as que têm instrumentos, canais e recursos para atingir a população", afirmou o cientista político.

MAIS DO MESMO

As dificuldades de campanha, aliadas a certo desinteresse popular pelas eleições --possível fruto dos acirrados embates que chegaram ao seu ponto máximo no impeachment de Dilma Rousseff-- podem resultar em uma baixa renovação, principalmente nas Câmaras de Vereadores.

"Com essas regras mais restritas, o custo de entrada na disputa ficou mais alto. Você tem que ter um capital político, ponto de partida elevado, porque você tem menos tempo de TV para se mostrar como candidato e a dinâmica de mobilização de recursos eleitorais é mais favorável a candidatos mais ricos", avaliou o analista da Tendências Consultoria Integrada Rafael Cortez.

"Isso tudo para dizer que é bem possível que a gente tenha uma frustração do ponto de vista do eleitorado com a renovação. Você pode ter um resultado que mostre até mais estabilidade entre os principais partidos, do que a entrada de candidatos de fora do 'mainstream', em linha com esse cansaço que o eleitorado demonstra com os partidos políticos."

A apatia política pode provocar ainda uma presença menor nas urnas, ou se transformar num número maior de votos brancos e nulos, em algumas previsões.

QUESTÕES LOCAIS

O pleito de outubro tem, no entanto, um elemento central, independentemente de suas características atípicas e de todo o caos político vivido pelo país nos últimos tempos, que não pode ser esquecido: o peso das circunstâncias locais nas eleições municipais é, por motivos óbvios, muito maior do que nas demais disputas eleitorais.

"Como historicamente ocorre, essa eleição tem um componente local muito importante, o eleitor avalia sua vida na cidade", lembrou Bellini.

Para o cientista político e professor da Universidade de Brasília David Fleischer, esse fator local também atrapalha a renovação e o surgimento de novidades.

"Tem muito município onde a política tradicional domina. Então você tem, vamos supor, duas ou três famílias que dominam o município há muitos anos. Esse tipo de dominação vai continuar, principalmente em municípios menores", disse Fleischer.

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