30/08/2016 01:58:00 - Atualizado em 30/08/2016 06:38:00

Dilma apela à consciência dos senadores em última fala antes de votação do impeachment

Lisandra Paraguassu e Maria Carolina Marcello / Reuters

BRASÍLIA (Reuters) - A presidente afastada Dilma Rousseff encerrou a sua defesa no processo de impeachment, que deve ser concluído nesta terça-feira após nove meses, fazendo um apelo à consciência dos senadores que irão selar o destino de seu governo e do PT à frente do governo federal.

Em uma sessão que começou antes das 10:00 da manhã e se estendeu até quase o início desta terça-feira, Dilma respondeu a perguntas de 48 senadores e senadoras, reiterou não ter cometido crime de responsabilidade e voltou a falar em "golpe" contra a democracia.

Dilma afirmou que a cassação de seu mandato sem que tenha cometido crime de responsabilidade abriria um "ferimento muito difícil de ser curado".

"Por isso eu peço aos senhores senadores e às senhoras senadoras que tenham consciência na hora de avaliar este processo", disse ao concluir sua fala já com a voz um pouco rouca e falhando.

"É muito grave afastar uma presidente da República sem crime de responsabilidade, mesmo que o impeachment esteja previsto na nossa Constituição."

Durante a maratona de perguntas a que foi submetida, Dilma foi questionada sobre os decretos de suplementação de crédito e as chamadas "pedaladas fiscais", que forma as bases da acusação de crime de responsabilidade de que é alvo. Mas a presidente afasta também acusada por senadores de não ter dialogado com o Congresso e de não ter agido com mais transparência sobre a crise econômica, depois das eleições de 2014.

Antes dos questionamentos, a presidente afastada fez um discurso em sua defesa e adotou um tom emocionado, lembrando do período em que foi presa e torturada durante a ditadura militar e fazendo um paralelo com a situação atual.

"Não posso deixar de sentir na boca, novamente, o gosto áspero e amargo da injustiça e do arbítrio. E por isso, como no passado, resisto", disse a presidente.

Com a voz embargada, lembrou que esteve por duas vezes frente à frente com a morte, durante a sua prisão e tortura na ditadura militar e quando enfrentou um câncer, pouco antes de ser eleita presidente da República pela primeira vez.

"As acusações dirigidas contra mim são injustas e descabidas. Cassar em definitivo meu mandato é como me submeter a uma pena de morte política. Este é o segundo julgamento a que sou submetida em que a democracia tem assento, junto comigo, no banco dos réus", afirmou.

Ainda que tenha feito pausas quando a voz falhava, Dilma aproveitou a ocasião para, mais uma vez, classificar como "golpe" o processo em curso no Senado caso seja condenada, argumentando que seus adversários lançam mão de pretextos para realizar uma "grave ruptura democrática", um "verdadeiro golpe de Estado".

"Não luto pelo meu mandato por vaidade ou por apego ao poder... Luto pela democracia, pela verdade e pela justiça", afirmou.

"Não é legítimo, como querem meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo por não concordarem com o conjunto da obra. Quem afasta o presidente pelo conjunto da obra é o povo, e só o povo, pelas eleições."

Também dirigiu seu discurso a senadores indecisos, em uma tentativa de conseguir evitar a sua cassação, e negou nutrir qualquer tipo de ressentimento. Alertou, no entanto, que todos serão julgados pela história.

"Se alguns rasgam o seu passado e negociam as benesses do presente, que respondam perante a sua consciência e perante a história pelos atos que praticam. A mim cabe lamentar pelo que foram e pelo que se tornaram."

Dilma teve de responder por diversas vezes sobre a edição de decretos de créditos suplementar e das chamadas "peladas fiscais", que são a base do pedido de impeachment, mas também foi cobrada pelo "conjunto da obra", sendo questionada sobre se mentiu sobre a situação econômica durante as eleições e sobre as razões para a grave crise econômica que afeta o país.

USURPADOR

Dilma aproveitou os questionamentos para criticar o governo interino, que chamou de "usurpador", e acusá-lo de mexer em direitos adquiridos e programas sociais.

"Este governo meu teve um programa também aprovado nas urnas. A questão da legitimidade não só está afeta ao fato de que eu estou sendo condenada por um impeachment sem crime de responsabilidade, mas também ao fato de que o plano de governo aprovado nas urnas não vai ser implementado. Pelo contrário", disse.

As críticas de Dilma levaram o Palácio do Planalto a sair do silêncio com que vinha recebendo a fala de Dilma. A instrução era "não dar palanque" à presidente afastada, disse uma fonte palaciana. Mas, no início da noite, o Planalto divulgou uma nota oficial rebatendo Dilma e negando que as propostas do governo do presidente interino Michel Temer resultarão na perda de direitos.

No depoimento, Dilma também teve a chance de fazer considerações sobre o presidente interino e o PMDB, partido do qual Temer é presidente licenciado. A petista disse ter escolhido Temer para ser seu vice, posto que ocupou tanto na eleição de 2010 quanto na de 2014, por acreditar que ele pertencia a um "centro democrático progressista".

Com o avança do depoimento, Dilma perdeu o tom emocional e concentrou-se nos temas econômicos que lhe são tão caros. Defendeu o investimento no petróleo da camada pré-sal e acusou o governo Temer de querer privatizar a exploração. Cobrou uma mudança na estrutura tributária e criticou o fato de o governo interino não usar o aumento na meta do déficit primário, para 170,5 bilhões de reais, para garantir investimentos.

Em mais de um momento, respondendo a questões apresentadas por senadores favoráveis a seu mandato, Dilma repetiu a defesa da proposta de um plebiscito sobre a possibilidade de convocar eleições gerais.

"Eu apoio um plebiscito porque acredito que a recomposição do pacto político passa pelas eleições diretas. Só o povo pode consertar os equívocos feitos ao longo deste tempo", disse a presidente afastada.

"Para recompor a governabilidade, diante de um quadro de crise econômica e política, eu decidi apoiar a convocação de um plebiscito assim que voltar ao governo e também uma discussão clara que este país tem de fazer sobre a reforma política. Não é possível que se continue fazendo partidos no Brasil tendo em vista o tempo de televisão e o Fundo Partidário. Não haverá governo que será capaz de governar o país", acrescentou em outro momento.

"CHANTAGEM EXPLÍCITA"

O ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi um dos alvos preferenciais de Dilma, que tem como um dos pontos centrais da sua defesa o que chama de "chantagem explícita" de Cunha, responsável por deflagrar o processo de impedimento no início de dezembro do ano passado.

"Exigia aquele parlamentar que eu intercedesse para que deputados do meu partido não votassem pela abertura do seu processo de cassação", disse Dilma.

"Nunca aceitei na minha vida ameaças ou chantagens. Se não o fiz antes, não o faria na condição de presidente da República."

A presidente afastada lembrou que o ex-presidente da Câmara, sob investigação da Lava Jato e que ainda aguarda votação pelo plenário da Casa do parecer que pede a cassação do seu mandato por quebra de decoro parlamentar, ainda não foi julgado.

"Curiosamente, serei julgada, por crimes que não cometi, antes

Recomendado para você

Comentários