16/12/2016 13:10:00

Marcelo de Carvalho: Nem tanto ao céu nem tanto à terra

Artigo para Folha de S. Paulo

A Lava Jato não descobriu nada de inédito. Na verdade, trouxe-nos um choque de realidade. O esquema de obtenção de obras públicas por meio do pagamento de comissões aos agentes governamentais é algo arraigado e disseminado desde os tempos do Império.

Sempre falamos disso. Quando pequenos ouvíamos nossos pais contarem anedotas a respeito. Quem não tem uma para contar? Quem não se lembra do "rouba, mas faz"?

Essa prática é tão antiga, comum e corriqueira, que de ambos os lados, governo e empresas prestadoras de serviços públicos, parecia ter deixado de ser ilegal, "pecaminosa", tornando-se absolutamente "normal".Mais ou menos como o consumo de maconha em alguns Estados americanos, ou tomar um drink e depois dirigir, quando não havia a Lei Seca.

No entanto, a partir do momento em que se puxou a primeira cordinha, passou-se a desenrolar um novelo interminável que atinge, é óbvio, praticamente todos os partidos, assim como agentes públicos em todos os níveis.

Indo-se mais para trás, as grandes obras das décadas passadas passariam ilesas? As privatizações? A construção de Brasília? Juscelino Kubitschek, Adhemar de Barros, Getúlio Vargas? E o barão de Mauá?

A prática disseminada de propina versus obra é nociva, mas o maior prejuízo (que está sendo deixado para trás por ser de difícil detecção) não é a comissão paga ao agente público -seja prefeito, deputado, senador, governador etc.

O mais nocivo é o overprice da obra, pois ao receber a "contribuição" -seja doação, dinheiro vivo, joias, carros, sítios ou apartamentos multiplex- o agente público ou a empresa estatal contratante fazem vistas grossas ao custo do projeto em si. E aí o aumento não é da ordem de 1%, 2% ou 5%, mas sim de bilhões e bilhões de reais.

Portanto, o que ocorre agora no país não é um crack político, mas sim cultural -um crack em práticas enraizadas por gerações.

Isso vai fortalecer os mecanismos de compliance nas empresas. Vai demolir os sistemas de auditoria hoje existentes -todas essas companhias eram auditadas por quatro grandes do setor que nada detectaram. Vai reformatar totalmente os tribunais de contas que não apuraram nada. Isso tudo é positivo e saudável.

Mas sejamos práticos: uma hora isso terá que chegar ao fim. Do contrário, podemos cristalizar uma mentalidade de caça às bruxas (o que já ocorre, por sinal), em que todo empresário é bandido e todo agente público é corrupto.

Qualquer agenda positiva e necessária é interrompida pela incessante divulgação de denúncias e mais denúncias. O país não pode parar indefinidamente, esperando para saber qual será a operação da Polícia Federal da próxima semana, como capítulos de uma novela interminável.

O Brasil precisa voltar a crescer. As reformas importantíssimas têm de ser aprovadas. E mais: teremos eleições em 2018. Se você não gosta do político A, B ou C, não o reeleja. Vote em quem considera sério e honesto.

Para concluir, temos que acender uma luz de alerta. Como diziam nossos avós, "devagar com o andor, porque o santo é de barro" -o abuso de prisão por períodos longos sem ter havido julgamento do acusado e o exagero no uso da delação podem levar a um paradoxo em que o preso, desesperado, passa a "delatar" o que o seu acusador quer ouvir, e não a verdade.

E aí estaremos balançando o pêndulo em um perigoso movimento inverso: saindo de um Estado corrupto e agitado para um Estado totalitário e estagnado. Nem um nem outro é desejável.

MARCELO DE CARVALHO, engenheiro químico, é apresentador e vice-presidente da RedeTV!

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