19/01/2018 17:47:00 - Atualizado em 19/01/2018 21:52:00

Por que o Planet Hemp foi preso e MC Diguinho, de "Só Surubinha de Leve", só foi censurado?

André Lucena, Bruna Brasil e Gustavo Gobbi/RedeTV!


MC Diguinho foi acusado por apologia ao estupro (Foto: Reprodução/YouTube)

Essa semana foi atribulada para o funkeiro MC Diguinho, que viu sua música "Só Surubinha de Leve" ser acusada por diversas pessoas de fazer apologia ao estupro. A pressão popular causou a retirada do funk de plataformas de streaming como o Spotify, Deezer e Youtube e motivou Diguinho a lançar uma nova versão da música, "mais light", e sem o polêmico trecho "Taca bebida / Depois taca a pica / E abandona na rua".

Em 1997, a Polícia Civil do Distrito Federal realizou a apreensão dos integrantes do Planet Hemp - Marcelo D2, Black Alien, Jackson, Formiga, Bacalhau e Zé Gonzales -, abriu uma investigação sobre as letras de músicas do grupo e os enquadrou em dois artigos da Lei de Entorpecentes (6.368): apologia (artigo 12) e associação de pessoas para uso de drogas (artigo 18). 

Mas por que o Planet Hemp foi preso e MC Diguinho só foi censurado? O Portal da RedeTV! conversou com especialistas para entender como ocorrem as acusações de apologia ao crime dentro do universo artístico. 

Para o advogado, professor e mestre em Direito Penal pela PUC-SP, Euro Bento Maciel Filho, a canção não configura apologia ao estupro. "Não há incitação nem apologia, há uma interpretação preconceituosa da música. [A letra] É realmente de muito mal gosto, mas não está estimulando ninguém a fazer isso. Ouve [a música] quem quer, compra quem quer", declara o jurista.

No caso específico de "Só Surubinha de Leve", o debate começou com uma publicação da estudante de artes visuais Yasmin Formiga viralizar nas redes sociais.


Postagem de Yasmin Formiga viralizou nas redes sociais (Foto: Reprodução/Facebook)

Logo, usuários do Spotify notaram que a música estava em primeiro lugar da lista "Viral 50", que contabiliza as músicas mais ouvidas pelos assinantes do serviço, e então iniciou-se um processo de reclamações para com o serviço, que logo anunciou a retirada da música do seu catálogo. A decisão foi seguida por outras empresas como Deezer e Youtube.

Este é o mesmo caminho que percorre uma denúncia de apologia ao crime. "Qualquer pessoa pode levar o fato criminoso a uma autoridade policial, ou ao Ministério Público, e cabe as autoridades, se entenderem assim, instaurarem o inquérito e investigarem. No caso de manifestação artistica, o Supremo Tribunal Federal possui entendimento que o artista tem uma liberdade de expressão um pouco mais flexivel. É claro que isso tem limite nos costumes, nas leis, no bom senso, mas essas ideias são muito variáveis", avisa Euro.

A reportagem entrou em contato com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, que até o momento não abriu uma investigação sobre a letra de "Só surubinha de leve", de MC Diguinho.

"Uma coisa é uma música que deliberadamente estimula e incita pessoas a matarem policiais, outra coisa é uma letra que não está estimulando pessoas a estuprarem ninguém. Ele está narrando algo que acontece no cotidiano de sua vida. É complicado reprimir alguém pelo o que ele sente", explica o advogado.

Músicos do Planet Hemp foram presos em 1997

A questão da liberdade de expressão, segundo o jurista, está no cerne do debate sobre "Só Surubinha de Leve": "Processar um ator ou autor de obra literária ou musical é complexa pois envolve liberdade de expressão, depois liberdade artística, mas tudo tem que ter um limite". Euro lembra de outro caso emblemático envolvendo liberdade artística e apologia ao crime: a prisão do grupo Planet Hemp em 1997 por fazer apologia à maconha.

Os músicos ficaram detidos por três dias e foram soltos com um habeas corpus após o desembargador Otávio Augusto Barbosa do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) considerar que os autos do prisão apresentados não eram suficientes para afirmar que a banda estava estimulando o uso de maconha. Anos depois, em 2011, o processo contra o Planet Hemp foi citado em audiência sobre a legalidade da Marcha da Maconha no Supremo Tribunal Federal como uma "interferência brutal do processo de produção intelectual e artística". 


Marcelo D2 e integrantes do Planet Hemp foram presos em 1997 (Foto: Reprodução/Facebook)

O que se tornou incontestável sobre a prisão do grupo foi a repercussão gerada. Antes de serem detidos, os músicos tiveram CDs recolhidos e shows cancelados. E depois, quando deixaram a prisão, o grupo ganhou maior visibilidade e o disco "Os cães ladram e a caravana não para" atingiu a marca de 300 mil cópias vendidas. 

No documentário "Planet Hemp - A Vitória Não Virá Por Acidente", lançado em dezembro de 2017, a "virada" da trajetória da banda é relembrada. O diretor e roteirista do curta-metragem, Matias Maxx, avalia, em entrevista ao portal da RedeTV!, que a ação contra o grupo em 1997 foi uma "perseguição pelo Estado" e opina que a situação que envolve o funk de MC Diguinho é diferente, pois houve apenas uma censura por parte de plataformas de streaming. 

Matias destaca que, no caso do Planet Hemp, a censura "saiu pela culatra" e a mesma reação pode ter o mesmo efeito em outros casos. "Uma tentativa de censura de qualquer produção artística, seja um funk ou uma exposição de artes plásticas, além de incostitucional, é burra, pois ela acaba aumentando muito mais a publicidade para o artista", comenta. 

MC Diguinho pede desculpas

Em entrevista exclusiva ao programa "TV Fama", MC Diguinho pediu desculpas à sociedade: "Não esperava isso que está acontecendo, essa repercussão, porque até então fiz a música para soltar na comunidade. Aí teve essa repercussão, todo mundo pensando de um jeito e cada um tendo uma interpretação. Jamais fiz uma música para agredir alguém, as mulheres. Deu essa repercussão e aí fomos e gravamos a light. Minha mãe me deu educação para jamais desrespeitar alguém, seja homem ou mulher. Lá em casa lido com quatro mulheres, minha mãe, irmãs e sobrinha de 3 anos. Então jamais faria uma música para prejudicar alguma mulher".

"Não falo nada que chega a esse ponto (de estupro), mas interpretaram desse jeito. Mas queria pedir desculpas a todos que entenderam desse jeito. A música veio na minha cabeça, o Selminho produziu e tacamos na rua. A música começou a dar essa repercussão de segunda-feira (14) para cá. Antes ninguém falava de estupro, mas como entenderam desse jeito estou aqui para pedir desculpa. Nunca fiz isso com nenhuma mulher e nem é para jogar uma mulher na rua. Quando usei essa expressão de abandonar na rua é que não quero nada sério com a mulher. Ia ser só aquele momento, nada de mais", explica o funkeiro.

Timotinho, assessor de imprensa da GR6 Eventos, diz que a música tinha aproximadamente 14 mil acessos antes da polêmica. Agora, o clipe com a 'versão light' já possui mais de 1,6 milhão de visualizações em 24 horas após a publicação no YouTube. 

"Minha mãe e irmãs são da igreja e ficaram chateadas por causa das coisas que as pessoas começaram a falar. Minha mãe sabe que é o meu trabalho, que eu nunca ia fazer isso para prejudicar ninguém e para chegar ao ponto que chegou. Estou tranquilo porque minha intenção não foi essa do que estão falando do estupro. Para mim o funk é cultura e é isso aí. As pessoas falam o que querem e vou absorver do jeito que achar melhor", defende-se MC Diguinho.

"Não estou com medo de levar processo pois não falei nada e não fiz nada do que estão falando. Estão deduzindo a música como um ato de estupro, que não tem. Estou falando a minha visão, de como fiz a música, é um caso de um relacionamento de quem não queria nada sério. Fizemos a versão light porque está todo mundo falando. Não é pressão, vamos fazer para ver se os outros interpretam de outro jeito", reitera o funkeiro que promete nunca mais cantar a versão polêmica.

"Só vou cantar a light, mas as pessoas vão responder [com a versão antiga] nos shows. Não posso mudar a opinião das pessoas que gostam da música do jeito que elas escutam. Meu público canta [a versão pesada] e eu vou cantar a música light. Não sou machista, não sou homofónico e nada disso que estão falando. Quem não deve, não teme. Mereço estar passando por esse momento [de sucesso], mas não da forma como vocês estão interpretando", finaliza MC Diguinho.

Músicos do grupo UDR foram condenados em 2016

Em junho de 2016, dois integrantes do grupo musical UDR, conhecidos como MC Carvão e Professor Aquaplay, foram condenados pelo juiz da 8ª Vara Criminal de Belo Horizonte, Luís Augusto Barreto Fonseca, por quatro crimes de incitação ao crime e quatro crimes de discriminação. De acordo com a denúncia do Ministério Público (MP), eles incitaram a prática dos crimes de estupro de vulnerável, homicídio, uso de drogas e preconceito religioso por meio da letra de oito músicas divulgadas em shows da banda UDR e em sites da internet.

A pena, fixada em 3 anos, 5 meses e 7 dias de reclusão e 120 dias-multa, foi substituída por duas penas restritivas de direitos: prestação pecuniária de quatro salários mínimos e prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas. É possível acompanhar a movimentação processual no site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

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