15/01/2016 17:43:00 - Atualizado em 18/01/2016 13:16:00

PMs à paisana torturam e matam jovem com problemas cognitivos em SP, dizem testemunhas

Por Luís Adorno/RedeTV!


Cristian Miranda da Cruz tinha 20 anos (Foto: arquivo pessoal)

Cristian Miranda da Cruz, 20 anos. Será para sempre lembrado pelo bom humor e pela lealdade aos amigos no extremo da zona sul de São Paulo. Foi, inclusive, por isso, que acabou morto. Tentando ajudar os amigos de infância, foi torturado e assassinado a tiros por volta das 4h da última terça-feira, 12 de janeiro de 2016, no Jardim Monte Azul, próximo à estação Giovanni Gronchi do metrô. Testemunhas que viram a cena do crime fizeram seus relatos ao portal da RedeTV!. Os criminosos: policiais militares que há anos frequentam e são amigos do dono de um bar/pizzaria localizado na avenida Tomás de Souza.

Esse estabelecimento comercial está sempre cheio. Toda segunda-feira, tem churrasco gratuito para os clientes, que pagam só a consumação em bebidas alcoólicas. Na noite do dia 11, quando ocorria o tradicional evento, vários policiais militares, de folga, estavam lá. Tudo corria bem. Até que um garoto da comunidade mexeu com uma mulher. Essa mulher era companheira de um desses policiais, que foi tirar satisfação com o rapaz. O jovem, que não sabia que a moça estava acompanhada, muito menos que o homem era um PM, discutiu e o chamou para brigar.

“Eu não brigo com ninguém”, disse o policial, por volta da 1h do dia 12. E foi embora. Voltou três horas depois. Acompanhado de outros três homens. Perguntaram no bar onde aquele rapaz morava e receberam as indicações. Foram atrás. Entraram na favela onde os jovens sempre viveram pela rua Vitalina Grassman. Lá, encontraram sete rapazes bebendo cerveja. Entre eles, não estava o que mexeu com a mulher do PM – ele fugiu da comunidade por medo. Armados, os quatro homens se apresentaram como policiais. Daí em diante, teve início uma sessão de tortura.

“Chute, porradas, ferimentos com garrafas quebradas, com canivete”, afirma uma testemunha que não vai ser identificada pela reportagem por medida de segurança. “Teve um dado momento que o Cristian tentou dizer pra eles que não precisavam bater mais. Que ele conhecia o rapaz [pivô da briga] e que tinha até pagado uma bebida pra ele horas antes, mas que ele já não tava mais na favela. Daí, eles começaram a liberar os rapazes um por um e seguraram o Cristian por último. Depois que todos fugiram, eles atiraram nele”, diz. “Tenho a certeza de que ele morreu pra acabar com a tortura que eles e os amigos estavam sofrendo”, complementa uma outra testemunha do caso.


PMs passaram canivete no pescoço e nas orelhas deste rapaz (Foto: arquivo pessoal)

O estudante Cristian, chamado carinhosamente pelos amigos como “Gatão da Vila”, não tinha passagem pela polícia. “Ele sempre quis trabalhar, mas nunca trabalhou porque tem problema mental”, diz a tia do garoto, Cláudia Miranda, de 48 anos. Com problemas cognitivos, Cristian pensava e agia como um garoto de 15 anos, de acordo com a família. “Era um menino maravilhoso. Todo mundo gostava dele. Saiu um ônibus lotado pra se despedir dele no cemitério. Lembro que a gente conversava, eu podia dar bronca nele, ele nunca me desrespeitou. Vai fazer uma falta grande aqui na Terra. Mas o céu ganhou mais um anjo”, diz Cláudia.

A reportagem localizou um dos amigos de Cristian, que fugiu da favela onde sempre morou, abandonando a família e os amigos, por medo. Ele relata que foi torturado pelos quatro policiais. “Com o canivete no meu pescoço, eles falavam que iam me estuprar, me matar e depois jogar no rio Pinheiros. Que lá era o lugar de preto favelado”, diz. Um outro amigo que também estava no local permanece na região, porque não tem para onde ir. “Todo mundo conhece esses caras aqui. Por isso, ninguém vai dar o rosto à tapa. A gente tá com medo de morrer”, afirma.

Quem deu “o rosto à tapa” no velório de Cristian, que aconteceu no cemitério Jardim São Luiz, na zona sul, das 19h do dia 13 às 8h do dia 14, teve que prestar esclarecimentos a dois policiais militares, um homem e uma mulher, sendo que um deles tem traços orientais, que chegaram ao local na viatura M-01102 (do 1º Batalhão da Polícia Militar, em Santo Amaro). “Tinha outros dois velórios acontecendo na hora. Foram direto na mãe dele e no irmão dele, que também estava com ele na hora do ocorrido. Queriam saber se eles conheciam os assassinos”, afirma uma mulher que foi ao enterro.


Policiais do 1º BPM, de Santo Amaro, foram até o cemitério interrogar a mãe e o irmão de Cristian (Foto: arquivo pessoal)

A atribuição de interrogar suspeitos ou testemunhas para esclarecer um caso é da Polícia Civil. Para o ouvidor da Polícia de São Paulo, Julio Cesar Neves, é, no mínimo, constrangedor policiais militares irem ao enterro de alguém investigar uma família, que está fragilizada. “Nós vamos oficializar a Corregedoria da Polícia Militar e a própria Polícia Militar para saber quem mandou fazer isso e por que mandou fazer isso, já que a família se sentiu intimidada”, disse.

Procurada pela reportagem, a SSP (Secretaria da Segurança Pública), que tem à frente Alexandre de Moraes, nesta quarta gestão do governador Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou que o "Departamento Estadual de Homicídios e Proteção a Pessoa (DHPP) informa que foi instaurado inquérito policial 31/2016 que está sendo investigado pela Equipe A Sul da Divisão de Homicídios. Diligências estão sendo realizadas com objetivo de identificar a autoria do homicídio de Cristian Miranda da Cruz". 

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