25/05/2016 15:05:00 - Atualizado em 21/10/2019 12:34:00

Página reúne as últimas palavras de negros mortos pela PM

Sara Oliveira/RedeTV!

(Foto: Reprodução/Facebook)

"Eu sou refém!! Eu sou refém...", essas foram as últimas palavras de Osvaldo Zaratini, de 32 anos, que foi morto pela Polícia Militar (PM) após ser rendido por um bandido armado, que foi ferido durante uma perseguição, e obrigado a dirigir até um hospital. Para a polícia, que perseguiu o veículo, o refém também era um criminoso. Baleado três vezes, ele morreu sem ter direito a qualquer tipo de defesa e o bandido sobreviveu.

Os últimos momentos de negros inocentes que, assim como Osvaldo, foram mortos pela PM estão sendo lembrados pela página "As Últimas Palavras De Jovens Negros", criada pela professora de História e Geografia, Luzia Souza, em março deste ano como uma forma de protesto.

"Fui percebendo que familiares e amigos diziam nas reportagens as últimas palavras deles... e fui colecionando, guardando", conta ela ao portal da RedeTV!. "Cheguei até a fazer algumas [montagens] soltas em meu perfil, mas não deu muito resultado. Até que Matheus, aquele menino que mataram em abril, de 5 anos, me tocou demais e outros em seguida... Resolvi abrir a página e dar-lhes voz: as ultimas palavras que ninguém ouviu". 

Antes, outro assassinato já havia mexido com a professora. Ela lembra o caso de Douglas Rodrigues, de 17 anos, morto pela PM, no bairro do Jaçanã (zona norte de São Paulo), em 2013. A mãe dele, Rossana de Souza, declarou que nem o filho sabia o motivo de ter sido baleado. "Ele ainda perguntou: 'Senhor, por que o senhor atirou em mim?'", afirmou ela na época. 

(Foto: Reprodução/Facebook)

Para ela, o resgate dessas histórias a partir da página na rede social pode, sim, ter impacto no lado social. "É possível levar informações, mudar a maneira das pessoas enxergarem as coisas.Os internautas tem comentado, enviado mensagens às centenas... Poucos foram os que criticaram. Contei uns 5 em meio à centenas e um policial que apagou a própria postagem antes que eu pudesse respondê-la", explica.

Professora na periferia da zona leste de São Paulo, Luzia conta que perdeu um irmão e dois primos em circunstâncias violentas. Embora o irmão não tenha sido vítima da PM, a professora, relembra que, na infância, presenciou como eram incomodados por policiais. "Uma vez entraram dentro de nossa cozinha com armas", comenta ela. Um dos primos foi preso, inocentado, liberado sem aviso para a família e, depois, encontrado morto na linha do trem. O outro, que era militar, também teve uma morte injusta. "Ele servia ao exército em MG. Saiu normalmente para suas atribuições e devolveram-no morto para a família...Ele não sabia nadar, e, segundo o que contam, o superior o empurrou no rio pra 'largar de ser medroso'. Ele morreu afogado".

Ela diz que só depois foi entender como aquelas mortes estavam relacionadas ao racismo. "Só pude constatar sobre tudo isso quando passei a entender a causa racial, o racismo, as estruturas de poder montadas para manter negros e negras na base da pirâmide", analisa. 

(Foto: Reprodução/Facebook)

Dados do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade (IVJ), divulgados em maio do ano passado, mostraram que a população negra entre 12 anos e 29 anos é a principal vítima da violência. O relatório apontou que os jovens negros têm 2,5 vezes mais chances de serem mortos por arma de fogo em relação a brancos na mesma faixa etária.

E é justamente o efeito desse índice que está exposto na página administrada pela professora, a partir de frases ou ruídos emitidos antes da violência policial arrancar-lhes a vida. Para ela, os assassinatos provocados pela PM são os causadores da violência urbana na periferia. "Esses meninos e meninas não têm sonhos, eles são induzidos psicologicamente a pensar que não existe um futuro, não têm conseguido sonhar com o futuro", opina. "Queria que as pessoas compreendessem que nas favelas não entendem sobre meritocracia, só sabem muito bem o caminho do cemitério".

Luzia ainda acredita que essa a responsabilidade recai sobre toda a população e critica o não cumprimento de direitos básicos. "A sociedade manda um recado pra eles todos os dias: que eles não serão aceitos, não chegarão a lugar algum, jamais serão nada", avalia. "Quando você dá acesso à alimentação, à saúde, saneamento básico, moradia, você dá estrutura às famílias e condições dignas para as crianças sonharem e não achar que, porque podem morrer logo, querem usufruir daquilo que jamais teriam e por isso roubar. Não adianta colocar piso de mármore, nem disponibilizar materiais de última geração, livros, professores com doutorado e mestrado. As escolas públicas mudam por dentro quando você muda o entorno delas", conclui.

(Foto: Reprodução/Facebook)

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