29/08/2017 09:51:00 - Atualizado em 30/08/2017 19:36:00

Após escritora denunciar estupro, mulheres relatam assédios envolvendo motoristas

Bruna Baddini/RedeTV

Foto: Reprodução/Instagram

Vítima de abuso sexual por um motorista da Uber na noite do último domingo (27), em São Paulo, a escritora Clara Averbuck lançou nas redes sociais a campanha #MeuMotoristaAbusador e #MeuMotoristaAssediador para incentivar outras mulheres a denunciarem casos de violência e assédio envolvendo condutores.

Desde então, internautas estão usando as hashtags para expor as mais diversas situações vividas dentro de táxis e outras companhias privadas de transportes. Ao portal da RedeTV!, algumas mulheres relataram situações de perseguição, vexame e violações vividas com motoristas. Alguns nomes foram mudados para proteger as suas identidades e integridade.

"Achei que, se fingisse ter interesse, talvez ele não me sequestrasse" -  Nicole, 22 anos, São Paulo

Eu estava indo do meu estágio para minha faculdade, próximo de agosto do ano passo. O motorista me perguntou se estava indo para a faculdade, assim do nada, e eu disse que sim. Ele começou a falar coisas do tipo: "Você deve ser muito inteligente, e ainda é bonita".

Dei uma risada sem graça e mudei de assunto. Mesmo assim ele ficou falando "O namorado deve atrasar os estudos. Mas você parece ser inteligente, é simpática e ainda é muito bonita", sem nem sequer eu ter entrado no assunto de namorado. Ele fazia esses comentários claramente para ouvir um "não tenho namorado", até que uma hora ele perguntou: "mas você tem namorado?" e eu disse que sim.

Ele começou a falar da vida dele, que ele tinha 27 anos, mas que tinha um filho, e depois comentou que a vida estava muito correria "né" e que queria fugir um pouco pra praia. Disse que ia com um amigo e me perguntou se eu queria ir.

Menti com um "claro, vamos ver" porque naquele momento achei que se eu negasse, seria pior. Então eu pensei que nesse momento, mesmo depois de ter me elogiado várias vezes, e de eu ter falado que tinha namorado, achei um pouco doentio da parte dele de continuar me assediando (mesmo que tendo namorado ou não não importa).

Achei que se eu fingisse ter interesse, talvez ele não me sequestrasse. Já estava quase no final da corrida e ele pediu meu 'whatsapp'. Falei "me passa o seu que eu te dou um toque", e fui embora. Durante toda a viagem fui conversando com meu namorado e minhas amigas, e até fingi que tinha recebido uma ligação para fugir do papo.

“Ele disse que era um ótimo dia para tomar vinhos e trocar fluídos” - Bárbara, 28 anos, São Paulo 

Quando entrei no carro, ele pareceu muito educado, solícito e tals.  Então ele disse que eu era uma moça linda e que era um ótimo dia para tomar vinhos e "trocar fluidos" (se eu permitisse o comentário), e começou a falar sobre sexo como uma forma de se aproximar de Deus. Disse que algumas civilizações pregavam isso. Perguntou se eu concordava. Ficava o tempo todo olhando pelo retrovisor. Perguntou se o endereço onde me pegou era onde eu morava, por sorte não era, nem para onde eu estava indo.

Fingi que estava no celular o resto do caminho todo. Compartilhei minha rota com o meu marido e fiquei bem ansiosa para chegar logo.Se despediu de mim em francês, disse que era um prazer me servir. Saí do carro e nunca mais vi. Fiz uma queixa no app do uber, mas não deram seguimento. Faz mais ou menos um mês. 

“Ele entrou em um motel” - Juliana, 25 anos, Rio de Janeiro

Há uns 4 anos, meu ex-namorado pediu um táxi pra que eu fosse embora, porque até então seria mais seguro e eu não iria dormir na casa dele. Ele abriu a porta, nos despedimos e pediu pra que eu avisasse quando chegasse em casa.

Eu moro em frente a um motel, estava sozinha atrás do carro e falei para o motorista que podia me deixar em frente e que atravessaria a rua, assim ele não precisaria fazer o retorno. Em vez disso ele entrou no motel. A porta estava travada, eu fiz um escândalo e quase quebrei os vidros até que o pessoal do motel se tocou.

No final consegui sair do táxi. Ele disse que tinha certeza que meu ex estava comigo, porém ele viu a despedida. Ele chegou a pedir um quarto. Eu consegui sair do carro e fui correndo para casa, e ele saiu a toda velocidade do motel. Cheguei em casa tremendo com o susto, mas graças a Deusa não aconteceu mais nada.

Fico pensando sobre como isso deve ser comum e que muitas mulheres passam por situações piores, porque infelizmente nós mulheres não temos o direito de ir e vir sem ter nossos corpos invadidos, principalmente na madrugada. 

Depois disso eu tentei me cercar o máximo de proteção, sempre avisar as amigas onde vou, com quem estou, qual carro e placa, além de mandar localização. Eu tive problemas piores que esse, então foi um somatório, até hoje tenho depressão e faço terapia, porque não me sinto segura saindo e acabei ficando com síndrome do pânico, mas, como falei, esse acontecimento foi só mais um somatório.

"Dois meses depois o encontrei no trem e ele me seguiu até a plataforma onde eu pegaria ônibus” - Fernanda, 25 anos, Santo André

Há alguns meses eu precisava chegar a um ‘comedy bar’ cedo, porém estava atrasadíssima (de praxe) e precisava chegar rápido. Minha opção de transporte público iria demorar, então decidi chamar um Uber. O carro chegou no apartamento, eu já estava o aguardando lá embaixo. O motorista desceu e abriu a porta de trás pra mim, entrei e seguimos o caminho. Nem dois minutos dentro do carro e ele já elogiou minhas pernas (eu estava de vestido e ele devia ser bem cego), me senti desconfortável, mas agradeci com um sorriso amarelo. 

O resto do caminho ele "errou" várias vezes por "saber como chegar mais rápido". Mantivemos uma uma conversa na qual eu não me senti confortável e quase não respondia com diálogo, só emitia sons como "uhum" e "legal", pedindo a Deus pra chegar rápido. 

Quase chegando, ele perguntou "por que uma menina linda iria a um show de humor sozinha?". Respondi apenas que meu namorado estava me esperando pois foi direto do trabalho (ele me cantou o caminho inteiro e sequer perguntou se eu estava em um relacionamento). Pediu meu telefone, não passei. Desci do carro, agradeci e ele ainda soltou um "você é muito gata" antes de sair.

Dois dias depois ele me chamou no ‘whatsapp’, que tínhamos um amigo em comum e que me passou o número. Ainda não sei quem foi ou como ele conseguiu realmente meu número. Tentei ser educada, ele insistiu e então pedi para amigo mandar um áudio em resposta, dizendo ser meu namorado é bloqueei. Dois meses depois o encontrei no trem e ele me seguiu até a plataforma onde eu pegaria ônibus. Nunca mais o vi, e nem quero.

"Nunca me senti tão vulnerável na vida" - Mariana, 28 anos, Brasília

Estava saindo de um bar com a minha ex namorada e pedimos um Uber. Entramos juntas e só ficamos de mãos dadas, sem maiores demonstrações de afeto porque tenho medo da intolerância das pessoas. Conversamos amenidades com o motorista, de onde éramos e o que estava tendo no local em que ele nos buscou. No caminho, o motorista começou a dizer com essas palavras "Eu odeio viado. Gay tem é que morrer. Esses viados ficam andando aqui no banco do passageiro e dando pitado no trânsito, achando que sabem alguma coisa. Odeio essa raça".

Até aí, ficamos quietas, só acenando com a cabeça. No caminho de onde estávamos hospedadas, perto da Augusta, ele errou inúmeras vezes o trajeto, sendo que o percurso estava claro no GPS. Continuou errando, entrando em ruas erradas e dizendo "nossa, passei da rua", até que chegou em uma rua em que disse "olha só, estou perto da minha casa".  Nesse lugar, tinham várias prostitutas na rua e ele passava por todas dizendo "nossa, já comi todas".

Eu não conseguia pensar em mais nada na hora, congelei, minha ex namorada também. Nenhuma das nossas amigas atendia o celular, mas mandamos mensagem com a placa do carro, caso acontecesse alguma coisa com a gente. A última frase que me lembro dele foi "minha vontade é de ir pra Brasília com uma arma. Matar todo mundo daquele Congresso e um pouco mais". Depois disso, eu não me lembro de mais nada, até que chegamos na porta do prédio em que estávamos. Foi tão surreal, tão pavoroso e detestável, que eu só queria que acabasse logo, independente do fim que aquilo teria.

Aconteceu tem cerca de 2 anos, em São Paulo. Não foi um abuso sexual, mas foi um terror psicológico horroroso, nunca me senti tão vulnerável na vida.

Foto: Reprodução/Facebook

Denúncia de estupro

A escritora gaúcha Clara Averbuck relatou ter sido estuprada por um motorista da Uber enquanto voltava para casa na noite do último domingo (27). Segundo escreveu ela em sua página do Facebook, o homem aproveitou seu estado de embriaguez sob a desculpa de a estar "ajudando".

"Fui violada de novo, violada porque sou mulher, violada porque estava vulnerável e, mesmo que não estivesse, poderia ter acontecido também. O nojento do motorista do Uber aproveitou meu estado, minha saia, minha calcinha pequena e enfiou um dedo imundo em mim, ainda pagando de que estava ajudando 'a bêbada' (sic)", escreveu a escritora na publicação.

Averbuck relatou ainda ter denunciado o motorista para a empresa de transporte privado, mas acrescentou ter decidido, por enquanto, a não ter fazer um boletim de ocorrência. "Estou machucada mas estou em casa e medicada pra me acalmar. Estou decidindo se quero me submeter à violência que é ir numa delegacia da mulher ser questionada, já que a violência sexual é o único crime que a vítima é que tem que provar. Não quero impunidade de criminoso sexual, mas também não quero me submeter à violência de estado. Justamente por ter levado tantas mulheres na delegacia é que eu sei o que me espera", explicou.

Resposta da Uber

Em nota oficial, a empresa de transportes Uber afirmou ter afastado o motorista envolvido no caso do abuso sexual contra Clara Averbuck e que está em contato com a escritora e autoridades para auxiliar no caso. "A Uber repudia qualquer tipo de violência contra mulheres. O motorista parceiro foi banido e estamos à disposição das autoridades competentes para colaborar com as investigações.  Acreditamos na importância de combater, coibir e denunciar casos de assédio e violência contra a mulher". 

Confira o depoimento de Clara Averbuck na íntegra:

"Bom, virei estatística de novo. Queria chamar de 'tentativa de estupro' mas foi estupro mesmo. Estava bêbada? Estava. Fod**. Não vou incorrer no mesmo erro de quando eu era adolescente e me culpar. Fui violada de novo, violada porque sou mulher, violada porque estava vulnerável e, mesmo que não estivesse, poderia ter acontecido também.

O nojento do motorista do Uber aproveitou meu estado, minha saia, minha calcinha pequena e enfiou um dedo imundo em mim, ainda pagando de que estava ajudando 'a bêbada'. Estou machucada mas estou em casa e medicada pra me acalmar. Estou decidindo se quero me submeter à violência que é ir numa delegacia da mulher ser questionada, já que a violência sexual é o único crime que a vítima é que tem que provar. Não quero impunidade de criminoso sexual, mas também não quero me submeter à violência de estado. Justamente por ter levado tantas mulheres na delegacia é que eu sei o que me espera.

Estou ponderando. Estou com o olho roxo e a culpa de ter bebido e me colocado em posição vulnerável não me larga. A culpa não é minha, eu sei. A dor, a raiva e a impotência também não me largam.

Estou falando tudo isso para que todas as que me lêem sáibam que pode acontecer com qualquer uma, a qualquer momento, e que o desamparo e o desespero são inevitáveis. O mundo é um lugar horrível pra ser mulher"

Recomendado para você

Comentários