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Artistas tentam explicar crise no axé music e criticam apologia às drogas e sexo


Publicada:04/11/2015 15:37:00

Uma década depois de academias e programas de TV apostarem em aulas de lambaeróbica, e casas noturnas e rádios terem programação dedicada ao axé music, o ritmo vive sua principal crise, principalmente em São Paulo, cidade que abraçou a música baiana no período.

O axé music é dividido entre os blocos afro, como o Olodum, o axé de micareta, como o Chiclete com Banana, e o pagode baiano, como o Psirico. E foi justamente o pagode baiano que caiu nas graças da capital paulistana, com centenas de grupos de dança espalhados principalmente pelas periferias. Entre as lambaeróbicas mais famosas estavam Filhos do Sol e Swing do Bixo, que criavam coreografias de músicas de bandas de Salvador. Parangolé, Psirico, Pagodart e Oz Bambaz eram as mais 'dançadas'.

"A música baiana enfraqueceu assim como pode acontecer com qualquer estilo musical. O rock, por exemplo, era evidência durante um período. Acho mais interessante ressaltar quando o estilo musical se firma. A música baiana é uma realidade, se firmou e nunca vai acabar. Vai viver de momentos. Altos e baixos. Vão surgir novos nomes", afirma Tony Salles, ex-vocalista do É o Tchan e atualmente no Parangolé.

Para Márcio Victor, do Psirico, a atual situação econômica e política do Brasil impacta negativamente no ritmo. "O que acontece com o axé é que a tristeza tomou conta do povo com estas notícias governamentais. Embora não concorde que o axé acabou, o axé está fraco. As oportunidades para a população fazer festas estão fracas. Isso enxugou a quantidade de festas. Não só o axé sofreu isso. O comércio e a rede hoteleira também".

O Psirico foi eleito vencedor da 'Música do Carnaval de Salvador' nos dois últimos anos. Em 2014 o hit foi o 'Lepo Lepo' e neste ano 'Tem Xenhenhém', ambas canções com uma pegada de arrocha. "A música baiana sempre teve a presença de todos os ritmos. Agora temos a arrochaneja, que é a mistura da quebradeira com arrochadeira. Nunca definimos o rótulo de axé pois sempre incluímos elementos atuais a cada mudança de ritmo ou comportamento", diz Márcio Victor.

Banda de pagode baiano que fez muito sucesso no início dos anos 2000, o Pagodart voltou em 2015 após ficar seis anos inativo. "O nome da banda é muito forte. A marca Pagodart era do Eliomar, irmão do Edílson Capetinha, e descobrimos por um fã na internet que o nome tinha ido a leilão. Eu e meu sócio Ângelo arrematamos e vamos pagar 200 mil parcelados. É uma luta, estamos pagando, fazendo shows e se ajeitando", conta o vocalista Flavinho.

Para ele, as apelações nas letras explicam de certa maneira a crise do axé. "O mercado está um pouco complicado. Virou moda música com apologia às drogas e que fala 'abre as pernas'. Antes tínhamos canções com um duplo sentido, mas na brincadeira. Nada contra com o que a galera toca aqui, é o direito de cada um. Eles trabalham, não forçam ninguém a ir para o show e vão através do dinheiro que está entrando. Sou casado há 17 anos e tenho três filhos. Estou muito preocupado com essa situação", afirma Flavinho. 

"Felizmente para a galera do sertanejo, eles se organizaram. Infelizmente para nós do axé, a galera nova acabou errando. Nossa linha ficou para trás e podia rodar o mundo, sempre respeitando o próximo, cada um com seu estilo. O mundo dá várias voltas. Como o axé estourou um tempo, pode estourar novamente", completa o vocalista do Pagodart, que acredita que a ascenção de artistas como Léo Santana vai fortalecer o trabalho de todos no pagode baiano.

Do axé para o sertanejo

Assim como Psirico, Parangolé e Pagodart, Oz Bambaz também fazia sucesso entre as bandas de pagode baiano. Rubinho ficou 10 anos à frente do grupo até que, após o Carnaval de 2013, decidiu tentar a carreira solo. Ele criou a 'Rubinho M.S.B. - Melhor Swingueira do Brasil', mas parou com o projeto de carreira solo no axé após um ano e se mudou de Salvador para Brasília para cantar música sertaneja. "Muita gente acha que vim para o sertanejo porque o ritmo está em um bom momento. Recebi uma oportunidade e vim pois tem um mercado muito bom para a proposta. Sem perder a essência do sertanejo, hoje eu faço um mesclado que tenha um pouco de dança, um refrão que possa fazer coreografia, mas que você ouça deitado também", explica o músico pernambucano.

Oz Bambaz contou com a participação dos pagodeiros Belo, ex-Soweto, e Rodriguinho, da banda Os Travessos, em músicas na década de 2000. "Os dois eram pipocados na época. Oz Bambaz tinha esta abertura muito boa. Fizemos shows em lugares onde a música baiana não conseguia entrar. No sul, norte, Ceará... Mais vale quem tem história do que quem tem dinheiro no bolso. A história dos Bambaz é muito bonita. Fizemos show com 58 mil pagantes no sambódromo da festa do boi-bumbá em Manaus", lembra Rubinho, que fala sobre a crise vivida atualmente pelo axé.

"Existem vários fatores que acabaram somando para que acontecesse isso. A música por si só vai se renovando e o pessoal vai cobrando coisas novas. Os altos e baixos dos ritmos é normal assim como aconteceu com a Jovem Guarda e o rock. Hoje o sertanejo é a número um, com o forró e o funk chegando muito forte. É como comer a comida que você mais gosta todos os dias. É do ser humano sempre querer coisas novas. O Roberto Carlos não tem o mesmo sucesso hoje, mas não por ele não ter o mesmo talento e sim por ele não ser mais novidade, não ser consumido pelos jovens", opina o cantor.

"A música baiana massificou o estilo quando vários bandas unidas estouraram. Tinha as músicas mais estouradas e mesmo assim ainda tinha um galera que começava a fazer sucesso. O único sucesso da Bahia foi o Parangolé com o 'Rebolation' e o motivo de não ter perdurado foi não ter ninguém junto naquele momento. O mercado é uma incógnita, vive de brechas e sempre tem um estilo musical mandando no momento. Todo artista que faz sucesso já se prepara para acontecer isso. Feliz aqueles artistas que controem um público sólido", acrescenta Rubinho.

Tony Salles, do Parangolé, enxerga semelhança no atual sertanejo com o axé. "Acredito que o sertanejo remete muito ao axé. Eles acharam um fio da meada, em deixar de lado muito romantismo e ter uma música mais alegre. É um romance com brincadeira, malícia, que o axé sempre teve, desde o É o Tchan".

Coreografias atraíam admiradores

Impulsionadas pelo sucesso do É o Tchan, as músicas de axé passaram a ganhar coreografias. Em São Paulo, grupos de dança chamados de lambaeróbicas entretiam o público antes, nos intervalos e após os shows de bandas de pagode baiano.

"A lambaeróbica começou em Porto Seguro nos intervalos da lambada para mexer com aquele pessoal que não sabia dançar lambada. O nome veio na mistura da lambada com aeróbica. O movimento da dança foi criado para interação, não para apresentação. O intuito era ensinar as coreografias e divertir o público", explica Rogério, dançarino do Filhos do Sol.

De acordo com ele, as lambaeróbicas começaram em São Paulo na balada Reggae Night. "Um cara chamado Cigano e outros dançarinos passaram a ensinar os passos. Foi criado o Swing do Bixo, que ensinava as coreografias no aulão do Cabral (balada na zona leste que hoje toca sertanejo e se chama Bulls Club). Na Bahia, o axé funciona para a pessoa ouvir e curtir. Em São Paulo, as periferias curtiam dançar. 

Os Filhos do Sol se apresentavam toda semana na TV. "Precisávamos de roupas para dançar na televisão e a Recruta decidiu investir no nosso grupo. Era lucrativo. A marca começou a vender 10 vezes mais pois todo mundo que dançava axé queria ter uma roupa da Recruta", destaca Rogério. 

Hoje 'Bailarina do Faustão', Ju Valcézia foi dançarina do Swing do Bixo. "Comecei a dançar axé com 15 anos. Era o auge do movimento da lambaeróbica. As músicas eram emocionantes e bem produzidas. Em 1999 entrei no grupo Axé Brasil, onde trabalhei em várias baladas por três anos. Em 2003 entrei no Swing do Bixo, o grupo mais desejado pelos dançarinos e bailarinos de São Paulo. Trabalhava muito, tinha noites que fazia até quatro shows. As coreografias eram bem elaboradas, inclusive fazíamos aulões pra galera. Participamos de vários programas de TV. Sou muito grata a essa época, pois aprendi muito no palco e na noite. Conquistei muitos amigos e fãs que tenho contato até hoje. Era um movimento enorme, acho que realmente passou. Afinal tudo passa (risos). Populariza, vem outros novos ritmos pra galera conhecer, como o funk por exemplo. E assim vai", detalha a loira.

Betinho, que apresentou o programa Axé Band na Band FM de agosto de 1997 a maio de 2015, explica que o critério para uma música tocar na rádio era se ela tinha coreografia. "Não estava preocupado com letra e arranjo. O programa era estrategicamente montado com canções que tinham coreografias, das mais difíceis às mais fáceis. O ouvinte queria dançar e se divertir".

"Um dos meus laboratórios era a aula do Swing do Bixo na Broadway (balada que hoje se chama Eazy em São Paulo). O local chegou a ter 2.500 pessoas pagando ingresso para aprender a dançar axé", completa o radialista.

"Precisamos de eventos mais top e organizados. Voltar a aderir o pagode dançante. Ninguém saía pra brigar. O pessoal ia para ver uma menina dançando, para olhar o decote, o short, a companhia de dança. Eu via todo mundo fazendo o passo", lembra Flavinho, do Pagodart.

São Paulo era um dos principais mercados

Apesar da grande distância da Bahia, a cidade de São Paulo era um dos principais polos do axé music. "A febre era muito uma coisa de paulista. O pagode baiano não pegou no Rio de Janeiro. Acontece que o público ficou velho. Eles não estão mais na vibe de dançar. O axé era moda, era chique falar do Carnaval da Bahia. O pessoal ia na academia com o abadá. Era chique falar baiano", diz Betinho, da Band FM.

Para Tony Salles, do Parangolé, o mercado de São Paulo hoje é mais delicado. "São Paulo absorve tudo que é bom e não exclui gênero musical. Como atualmente o estilo musical mais tocado é o sertanejo e em segundo lugar o funk, entendo que é mais difícil para um axé chegar e fazer show em São Paulo, principalmente lotar a casa. Em certos lugares o axé perdeu este espaço. Num show, na rádio, na TV... Hoje temos a consciência que não temos mais essa abertura. É preciso respeitar isso, ter pés no chão, humildade de saber entender que não é o nosso momento. Vamos fazer o nosso e tirar o chapéu para eles. São Paulo está abraçando hoje o movimento mais forte e por conta disso enfraquece o mercado do axé. Temos que correr atrás. Fazer acontecer o movimento futuramente. Todas as bandas precisam inovar, reiventar o axé music. Quem sabe surgir um novo estilo que seja chamado de uma outra forma que não seja axé".

Márcio Victor, do Psirico, acredita que o ritmo musical perdeu oportunidades. "A lambaeróbica saiu de São Paulo e foi para o mundo. Virou zumba. A dança no axé perdeu o time de virar zumba e ter domínio internacional". Ele também sugere alternativas para o axé se reerguer. "Precisamos de união dos empresários, criar uma organização e, principalmente, furar a bola do ego. Também é preciso dar espaço para os novos, fortalecer quem está crescendo e dar ao povo o que o povo quer ouvir".

Betinho afirma que o fim do Axé Band, programa que ficou quase 18 anos no ar, foi planejado. "O público ficou velho. O cara que aprendia e fazia as coreografias não está mais na vibe de dançar. Quem gosta, guarda seus melhores momentos. O axé tem que se preparar para daqui três a quatro anos. Tudo é cíclico. É preciso recliclar, surgir caras novas, um ritmo novo, empresários mais agressivos, aprender com o mercado. Qual a última música boa de axé? É preciso músicas ótimas, excelentes", dispara o radialista, que revela. "Estou estruturando um projeto de axé na web e pretendo vir forte".

Rogério, do Filhos do Sol, pode ser considerado a resistência do ritmo musical em São Paulo. O dançarino ainda dá aulas de axé em academias e realiza o projeto 'Axé Solidário' na Avenida Paulista e em outros locais. A entrada é permitida com a pessoa levando um quilo de alimento. "Conseguimos reunir 400 pessoas. A interação com o público é muito boa. No figurino não existe mulher de short curto. Na época do boom, muita gente confundia, usava short curto e os dançarinos do palco não interagiam com o público", relata.

"O axé é saudável, feliz, alegre, tem um clima de confraternização. Ainda toca em festas de casamento, aniversários, sempre em clima de alegria", finaliza Rogério.

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